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May 2, 2021 - 11 minute read

Líder da APAVT: É crucial manter os apoios até dezembro

Líder da APAVT lembra que os agentes de viagem vão ser fundamentais numa Região com um PIB muito dependente do Turismo. Associação culpa a TAP pela perda competitiva do destino. JM – A APAVT reuniu-se na Madeira com os oito maiores operadores nacionais? Que conclusões saíram deste encontro? Pedro Costa Ferreira – Foi uma reunião de trabalho preparatória deste verão e insere-se na agenda do destino preferido 2021. Apesar das imensas dificuldades decorrentes da pandemia, nós reportamos uma operação em 2020 com relevância para o arquipélago, com um agosto que teve um número recorde de turistas nacionais. Face a estes números, estamos a encarar a operação deste ano com a ambição de fazer melhor e fazer melhor em turismo é, neste momento, trazer mais turistas. A ideia é otimizar as condições e clarificar alguns pormenores da operação, uma vez que a pandemia exige clarificação em relação às restrições impostas às viagens e ao próprio terreno para que os agentes possam informar o melhor possível os consumidores finais. A operação, no seu grande esqueleto, está montada e existe a esperança que ela produza melhores números do que no ano passado. Se pensarmos não apenas no Porto Santo, que é tão importante no verão, mas também na Madeira que, tem a possibilidade de fazer circuitos com um pouco menor duração, neste momento o elefante na sala é a TAP, é a ausência de diálogo e a dificuldade de termos uma operação sustentada, quer para o Porto Santo, quer para a Madeira. No Porto Santo, essa sustentação na TAP não tem sido possível, mas os operadores turísticos encontraram meios alternativos para realizar essa operação. Para a Madeira, sentimos que há um funil operacional que tem a ver com falta de diálogo, com preços altos que colocam a Região menos concorrencial. E assim surgiu a ideia de podermos obstar a esta dificuldade com a eventual preparação de um voo charter através da união de todos os operadores turísticos para que se possa implementar uma operação com melhores preços e igual qualidade.

jm – Vejo que há um grande otimismo em relação aos operadores e esse grande empecilho que se chama TAP… PCF - Que impede que se faça melhor. Para o Porto Santo, tínhamos limitações na execução do charter e nós precisamos dos charters. Tínhamos operações históricas com a TAP que, pela sua dimensão, pela tradição, pelo hub estar em Lisboa, pelo número de rotas, é sempre um aliado natural. Não existe aqui rancor ou distanciamento pessoal ou intelectual. A questão é que a TAP aparentemente fez uma escolha para este ano, não responde às operações charter e nós temos que caminhar com outros sapatos.

JM – Quem são os interlocutores dos agentes de viagens na TAP? PCF - Os interlocutores de viagens têm sempre de surgir das equipas de vendas. Os líderes das equipas de vendas saíram da TAP nestas restruturações que têm sido efetuadas. O líder da direção de vendas que se saiba não foi substituído ou pelo menos não foi apresentado. Acresce que, do ponto de vista da comunicação entre os operadores turísticos e a TAP, vem-se percebendo que há uma dificuldade em obter respostas e, por tudo isto, as soluções não têm aparecido. A abertura da nossa parte é total, a TAP será sempre uma aliada natural. Isto é muito importante se dizer, até porque se calhar fica mais incompreensível a resposta da TAP. Quero sublinhar que já foi importante a disponibilidade do chairman da TAP há uns meses. Desbloqueámos a questão dos reembolsos às agências de viagens porque apareceu o chairman da TAP disponível para resolver o assunto e também é verdade que temos administradores não executivos que querem ajudar e que já se disponibilizaram para dialogar com a APAVT para percebermos como melhorar o diálogo. A grande verdade é que, sendo tudo isso muito bem-recebido pela nossa parte, a operação turística não pode ser desenvolvida, a este nível de alto profissionalismo e de grande responsabilidade, entre o presidente da TAP e um administrador não executivo. Tem que ser desenvolvida entre as equipas comerciais da TAP e os operadores turísticos nacionais. E é aí que temos falhado.

JM – Este é um problema político, comercial ou de organização? PCF - Nós temos sempre que o definir como um problema comercial, de organização, de capacidade de resposta da TAP. Eu diria que, ao nível político, nenhum dos parceiros TAP e agentes de viagens tem sequer o direito a estar de costas voltadas. Os destinos turísticos, o bem-estar dos portugueses, a capacidade de atrair mercados internacionais e nacionais, tudo isto nos impele a estarmos disponíveis para o diálogo. E nós estamos. O que falha é ao nível comercial, onde as contas se fecham, onde os acordos se fazem e que da parte da TAP temos neste momento uma total ausência de resposta.

JM - No final de uma reunião dos operadores, disse que a TAP não respondeu a nenhum dos operadores com propostas concretas sobre a possibilidade de um charter para a Madeira… PCF - É a informação que temos.

JM –Como é que se planeia uma operação, tendo a TAP a importância que tem? PCF - Encontrando alternativas. Encontrámos as alternativas para o Porto Santo, a operação vai-se fazer. Nos desejávamos que não fosse necessário encontrar alternativas, desejávamos trabalhar com a TAP, pensamos que era a operação natural, que provavelmente permitiria preços mais competitivos. Infelizmente, não é isso que está a acontecer. Os preços da TAP para a Madeira não se revelam competitivos e afetam a competitividade do destino face a outros destinos de semelhante proximidade. Por acaso, este ano, a agressiva da política do destino, nomeadamente com a oferta dos testes e a boa organização de redes de laboratórios onde os consumidores nacionais podem efetuar testes no continente, fez com que a Madeira se tornasse competitiva, apesar da TAP. Contudo, nós não estamos cá há um ano, nem a programar para um ano, o desejável é conseguirmos encontrar um equilíbrio entre o destino, a operação turística, a distribuição e a companhia aérea nacional no sentido de estarmos mais juntos e com isso fazermos operações que provavelmente dariam lucro a todas as partes e que trariam um melhor produto para o consumidor final.

JM – Como viu a forma como esta Região enfrentou a pandemia? PCF - Como um verdadeiro exemplo de boas práticas do ponto de vista turístico. Temos três dimensões. A primeira tem a ver com a própria organização social do destino, a forma como a pandemia foi controlada na Região, que é como que uma janela que o consumidor olha para ver se vai se sentir seguro ou se vai ter confiança na relação com o destino. Essa foi resolvida desde o primeiro dia. Não tivemos nunca um desequilíbrio pandémico na Madeira e isso foi percetível em todo o continente.
Depois, temos uma segunda dimensão que tem a ver com a clarificação das condições de viagem para a Madeira, a questão dos testes, do teste negativo ser possível, da vacinação e do imune permitir a entrada na Região. Em todos estes aspetos, a Madeira reagiu tao rapidamente que o que hoje andamos a discutir para toda a Europa já estava praticamente tudo implementado na Madeira para a operação 2020. Em terceiro, lugar a agressividade comercial com que a Madeira reagiu. Em tempos tão adversos só a agressividade é que permite que as operações minimamente continuem. A forma como estas três dimensões foram tratadas fez com que a operação 2020, obviamente que muito aquém do que se poderia esperar em período normal, trouxesse um agosto com números recorde e isso acho que ficará para a história da distribuição turística, do turismo português e da Região.

JM – Nesta conjuntura a Madeira arriscou uma operação de marketing, apresentando a nova marca Madeira. Parece-lhe oportuno? Concorda? PCF - Acompanhei por curiosidade e por dever da minha profissão a apresentação da marca e a celeuma que me pareceu muito baseada nas redes sociais. Uma celeuma que é baseada nas redes sociais é de curto prazo, em cima do joelho, com muito rancor, muito despeito e às vezes de pouco raciocínio. Em todo o caso, quero acrescentar que nós não discutimos a marca Madeira do ponto de vista académico. Nós somos stakeholders, estamos interessados em que haja mais turismo e, portanto, qualquer que fosse a marca nos tentaríamos encontrar na marca capacidade de venda e de construção. Dito isto, julgo que esta questão foi muito centrada no logo que terá algumas fragilidades, nomeadamente a leitura, quando o que interessa é qual o posicionamento, qual é a estratégia, qual é a abordagem global, qual o caminho que tem sido percorrido pelo destino. E aí vejo alguma coerência, um caminho que alarga franjas de procura sem se tornar num destino turístico sem foco. Julgo que a construção deste posicionamento permite conseguir continuar a seduzir a procura de gente mais idosa, mais tradicional, mas também as novas formas de procura, mais ligadas a gente mais jovem, que tenham a ver com a sustentabilidade ou com um turismo de experiencia mais ativa ou com setores mais específicos como LGBT. Transformar o destino LGBT friendly, que quer do ponto de vista da inclusão, quer do ponto de vista dos proveitos económicos do turismo parece-me muito importante.

JM – A Madeira é, pelo segundo ano consecutivo, o destino favorito da APVAT. Como justifica esta opção? PCF - A escolha em 2020 é natural. Todos os anos, escolhemos um destino favorito. Os nossos clientes, os turistas, têm uma relação fantástica com a Madeira. Portanto, na altura tínhamos acabado de fazer o congresso na Região em 2019 e tivemos uma agenda plurianual que terminava num destino preferido. O Congresso, porque traz todos os stakeholders, estimula muito o incremento da procura onde é realizado e acoplar um destino preferido em cima de um congresso permitiria ter grandes benefícios do ponto vista económico, do ponto de vista de aproximação dos consumidores do destino. Infelizmente, acabamos por ser surpreendidos pela pandemia e pareceu-nos natural prosseguirmos o trabalho em 2021. No fundo, dar as oportunidades ao destino que a pandemia tinha retirado. Hoje sabemos que não vai ser ainda em 2021 que teremos normalidade, mas sabemos também que toda a agenda do destino preferido e o que foi realizado em 2020 vai permitir pelo menos uma operação do mercado emissor nacional para a Madeira que poderá francamente expressiva.

JM – Qual é o estado de saúde das agências de viagens nesta fase da pandemia? PCF - No final de 2019, o estado de saúde era excelente. É óbvio que se o turismo estava a atravessar o melhor ano de sempre, também o setor estava. Entrámos em 2020 com empresas sólidas, com um setor que, em termos de efeitos diretos, indiretos e induzidos produzia um valor acrescentado bruto que era 18 vezes o da Autoeuropa. Um setor construído em cima de muitas pequenas e microempresas mas no seu todo com relevância económica. Esse é um dos fatores que nos permite dizer que praticamente todas as agências de viagens sobreviveram. Menos 3% das nossas agências despediram e não temos conhecimento de falências. Tudo isto teve a ver com a boa situação de 2019, os apoios governamentais que foram absolutamente imprescindíveis, embora nunca tenham chegado, nem poderiam chegar porque estamos a atravessar a maior situação das nossas vidas. Portanto, juntou-se à boa situação de 2019, os apoios governamentais, perdas avultadas da parte das empresas, endividamento significativo por parte dos empresários, sacrifícios dos trabalhadores. De tudo isto tem sido feita a sobrevivência da estrutura empresarial turística e não apenas das agências de viagens.

JM - Como perspetiva a retoma? PCF - A retoma é um desafio muito importante. Será necessário manter os apoios até ao final do ano porque a retoma será o momento em que os custos aparecem quase de repente e as receitas vão aparecer de uma forma mais gradual. É muito importante que tudo que resistimos ao longo da crise pandémica mais acentuada não venhamos agora a deitar forma com a abruta falta de apoios dos governos nacional e regional. Continuamos em diálogo. Vamos tentar fazer o desmame do apoio, mas mantê-los até dezembro, assegurando algum equilíbrio. No dia de hoje temos empresas que sobreviveram, estão mais fragilizadas, mas encaram o futuro pensando que vão sobreviver a esta crise. Todos nos aprendemos muito. A atividade turística está habituada a lidar com externalidades, acontecem todos os anos: uma nuvem de um vulcão, os ventos no aeroporto. Esta aconteceu ao mesmo tempo em todo o mundo e abalou-nos a todos. Erámos fortes como setor e como empresas, sobrevivemos sobretudo por causa disso, estamos fragilizados, mas todos estamos a trabalhar para fazer prosperar a economia nacional. Uma coisa sabemos: é fundamental manter a oferta turística e a distribuição porque vai ser o turismo que nos vai tirar desta crise. Precisamos de crescimento, de manter o emprego, de recuperar as contas externas e o défice público. Tudo isso vai acontecer, se os e empresários conseguirem ganhar este desafio e entre eles os empresários do turismo. Não recuperaremos tão depressa economicamente se o turismo não estiver pronto para fazê-lo, pronto para liderar essa recuperação.

JM – Esse cenário  aplica-se aos associados da Madeira? PCF - Eu diria que, como o PIB da Madeira é mais dependente do Turismo, os associados são mais importantes e a sua manutenção, de uma forma relativa, é mais importante para a Região do que do ponto de vista do todo nacional. Eles sofreram mais e serão ainda mais necessários no momento da recuperação. De resto, não acho que haja grandes diferenças. Se traçarmos o desenho dos nossos associados para o todo nacional e quisermos traçar o mesmo desenho para a Madeira é sublinhar o desenho do todo nacional.