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Mar 6, 2021 - 5 minute read

Visita do Papa marca momento histórico mundial

No meio de uma pandemia, e num país ferido por anos de guerra e terrorismo, o ‘Peregrino da Paz’ levou ao Iraque o seu desejo de união e fraternidade universal entre todos os povos de todas as religiões do mundo. É a primeira vez que um Papa visita esta terra que faz parte da antiga Mesopotâmia. Pouco passava das 11 horas da manhã desta sexta-feira (hora de Portugal) quando Francisco pisou solo iraquiano, numa visita de quatro dias repleta de simbolismo para todo o mundo. À saída do avião, o chefe da Igreja Católica foi recebido pelo primeiro-ministro iraquiano ao som da 9ª Sinfonia de Beethoven, também conhecida por Hino da Alegria, e, curiosamente, também o Hino da Europa. Estava dado o mote para uma das mensagens que o ‘Peregrino da Paz’ quer transmitir com esta visita, cujo lema é ‘Sois todos Irmãos,’ selada com este Hino universal: solidariedade, fraternidade, união e liberdade. Do alto dos seus 84 anos, e visivelmente afetado pela inflamação do nervo ciático, o Papa percorreu a longa passadeira vermelha na pista do aeroporto de Bagdade a cambalear, e embora a máscara de proteção escondesse o sorriso, o brilho dos olhos deixava transparecer a felicidade que sentia por estar próximo a uma comunidade cristã martirizada. Comunidade esta que faz parte de uma minoria, num país maioritariamente muçulmano, com frações extremistas que nos últimos tempos tentaram exterminar outras crenças, perseguindo, matando e expulsando sem dó nem piedade famílias inteiras de várias regiões de uma terra que, segundo a história, é berço das três principais religiões monoteístas – Cristianismo, Judaísmo e Islamismo. Após um breve encontro com Mustafa Al-Kadhimi, primeiro- -ministro do Iraque, Francisco deslocou-se para o Palácio Presidencial, onde decorreu a cerimónia oficial de boas-vindas com o Presidente Barham Salih. Uma curta viagem efetuada com escolta policial e sob fortes medidas de segurança. Longe das grandes multidões que em todo o mundo ladeiam as ruas por onde passa um Papa, esta breve deslocação de Francisco foi mais comedida, embora em locais estratégicos pequenos grupos de pessoas acenavam para o homem que aos olhos de muitos traz alento e esperança aos milhares de cristãos que anseiam regressar à sua terra sem medo de represálias de um daesh que já deixou a sua marca de terror em várias partes do globo. As estatísticas não sabem ao certo o real número de cristãos no Iraque, embora os dados indiquem que em 2003 seriam cerca de 1 milhão e meio, mas pelo menos dois terços foram expulsos, perseguidos ou mortos. De acordo com a fundação Ajuda à Igreja que Sofre, nos três anos de guerra contra o Estado Islâmico, 34 igrejas foram totalmente destruídas, 132 foram incendiadas, 197 parcialmente danificadas, assim como mais de mil casas de cristãos foram totalmente destruídas e mais de três mil incendiadas, mostrando o grau de perseguição a esta minoria religiosa que se concentra sobretudo no norte do Iraque. Talvez por isto o ponto alto desta visita do chefe da Igreja Católica seja o encontro inter-religioso agendado para a manhã deste sábado, na planície de Ur, o lugar de Abraão, com o aiatola Ali Sistawni, a maior autoridade xiita do país.

“Crise de consciência” do Ocidente

O Presidente iraquiano, Barham Salih, deu as boas-vindas ao Papa, considerando-o um “convidado valioso” e lamentando a “crise de consciência” do Ocidente. Durante uma conversa com o Sumo Pontífice no Palácio Presidencial, Salih lamentou que o Ocidente se esteja a confrontar com uma “crise de consciência”, provocada por tensões regionais e extremismos. O Presidente do Iraque salientou a importância da coexistência pacífica e da preservação da comunidade cristã presente naquele país há quase 2.000 anos. “O leste não pode ser imaginado sem cristãos”, disse Barham Salih, alertando para o risco de persistir a sua migração, por causa de perseguições com “consequências terríveis”.

Obrigado por permanecerem ao lado do povo

Depois do momento diplomático no Palácio Presidencial, o Papa Francisco dirigiu-se à catedral siro-católica de Sayidat al-Nejat (Nossa Senhora da Salvação), um templo cristão escolhido a dedo para o primeiro momento religioso do líder católico no Iraque pelo seu simbolismo relativamente à violência contra os cristãos no país. Em 2010, a catedral foi o palco de um dos maiores ataques do Estado Islâmico contra os cristãos daquele país. No dia 31 de outubro, um grupo de homens armados invadiram a catedral, onde se encontravam mais de uma centena de católicos, e fizeram-nos reféns. Diziam pertencer ao Estado Islâmico do Iraque, uma organização afiliada da Al-Qaeda. Quando as forças armadas iraquianas tentaram resgatar os reféns, o ataque transformou-se numa carnificina. Morreram mais de 50 pessoas, entre crentes, atacantes e agentes das autoridades. Aqui, o Papa agradeceu aos bispos e padres por permanecerem “perto do povo” do Iraque. “Agradeço-vos, irmãos bispos e sacerdotes, por permanecerem perto de vosso povo, apoiando-os”, disse Francisco no primeiro dia desta sua visita a um país devastado por guerras e terrorismo.

Viagem repleta de simbolismo

Apesar de o roteiro do líder católico não ser extenso, é muito intenso e repleto de simbolismo. Na planície de Ur, o lugar onde se acredita ter nascido Abraão, o Papa Francisco vai liderar este sábado uma celebração inter-religiosa para lembrar a raiz comum das três principais religiões do planeta: o Cristianismo, o Judaísmo e o Islão, que em conjunto representam mais de 55% das crenças religiosas ao nível global. Do roteiro do Papa Francisco fazem parte três cidades com grande simbolismo para a história recente dos cristãos iraquianos: Mossul, Qaraqosh e Erbil.

Não se pode dececionar um povo uma segunda vez

Mesmo com toda a instabilidade que se vive nesta zona do planeta, o Papa Francisco não equacionou cancelar a viagem. A sua teimosia e perseverança venceram mesmo no meio de uma pandemia que assola o mundo. “O povo iraquiano espera-nos, esperava João Paulo II que foi proibido de lá ir. Não se pode dececionar um povo uma segunda vez”, disse o Papa na quarta-feira. Todavia, a visita de Francisco ao Iraque será marcada por medidas de segurança extraordinárias, a que já foi possível assistir na manhã desta sexta-feira à chegada a Bagdade. Ao mesmo tempo, o Papa viaja sempre em carros cobertos, e não no tradicional papamóvel, com o objetivo de evitar grandes ajuntamentos à sua passagem.