madeira news

Apr 9, 2021 - 3 minute read

Violência doméstica: Criança “é vítima” e ponto

Para o juiz-desembargador Paulo Guerra, as crianças em contexto de violência doméstica “não são vítimas diretas, nem indiretas, são vítimas”. Webinar dirigido a advogados assinalou mês do laço azul. As crianças, especialmente as que vivem em ambiente de violência doméstica, tiveram ontem à tarde dois importantes e fervorosos defensores dos seus direitos. A assinalar o Mês da Prevenção dos Maus Tratos na Infância, o Conselho Regional da Ordem dos Advogados promoveu um webinar que juntou Paulo Guerra, juiz-desembargador e diretor-adjunto do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), e André Lamas Leite, professor auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, advogado e formador do Centro de Estágio do Porto do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados. Paulo Guerra, que é já um repetente nestas iniciativas do Conselho Regional quando o tema toca às crianças, defendeu que as crianças que vivem em ambiente de violência doméstica “não são vítimas diretas, nem indiretas, mas vítimas”. Manifestamente defensor de uma maior justiça para com as referidas crianças, alertou para os traumas psicológicos e apelou para que a justiça dê maior importância à psicologia. A sustentar esta tese, falou sobre o impacto da violência doméstica na estabilidade emocional das crianças tendo por base a experiência de um psicólogo, Mauro Paulino, que aponta para a interferência negativa da violência doméstica no exercício da parentalidade e, consequentemente, o efeito que isso tem nos filhos dos casais desavindos. 84 mil casos de violência De acordo com dados estatísticos retirados de uma tese de doutoramento defendida este ano, da autoria de Miguel Rodrigues, Paulo Guerra revela o que diz ser “números assustadores para qualquer civilização e para qualquer Estado de Direito”. No que respeita a femicídios, entre 2004 e 2020, a média é de 31 por ano, sendo o total 531. Neste contexto, surgem os chamados “filhos dos femicídios” que, entre 2012-2020, com 253 casos, foram afetados 440 menores, ficaram órfãos 250, presenciaram o assassinato da mãe 50 e 10 crianças foram assassinadas. Segundo os dados apresentados pelo juiz-desembargador, nos últimos oito anos, em Portugal, “crianças e jovens assistiram a mais de 84 mil casos de violência doméstica”. No total, de acordo com a apresentação realizada, “13.133 crianças e jovens vítimas de violência doméstica”, mas “muitas mais” terão assistido a situações de violência na família”. Apelo aos partidos Perante a frieza dos números e do conhecimento de muitos casos que tem acompanhado ao longo da sua carreira de magistrado, Paulo Guerra não tem dúvidas de que a “violência doméstica interrompe, destrói e tem impacto na vida futura de milhares de crianças em Portugal”. Relativamente a famílias de acolhimento, Paulo Guerra revelou que, segundo informação que lhe chegou da Santa Casa da Misericórdia, já existem duas centenas de famílias inscritas. Num momento em que está na Assembleia da República duas propostas, uma do PS e outra do PSD, para conceder estatuto de vítima às crianças testemunhas de atos de violência doméstica (a primeira com limite de idade até aos 18), André Lamas Leite apelou aos partidos para que na discussão destes temas ponham os direitos das crianças acima dos seus próprios interesses.