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Mar 26, 2021 - 9 minute read

Teatro sem aplausos

A pandemia tirou-lhes o palco, o público, as ovações em pé. Direcionou os holofotes para uma precariedade que sempre existiu numa classe artística no limiar da sobrevivência. Assinala-se, este sábado, o Dia Mundial do Teatro. Não será um Dia Mundial do Teatro celebrado como desejariam atores, encenadores, técnicos ou companhias.

As salas estão de portas entreabertas para um público num número que nem chega à quantidade de intervenientes necessários para a realização do mais simples dos espetáculos. Na luz que trespassa a claraboia está a retoma dos espetáculos de teatro, e demais eventos culturais, que o vice-presidente do Governo Regional, Pedro Calado, disse estar a ser equacionada para depois da Páscoa.

Este sábado, o Teatro é celebrado num tempo em que são procuradas alternativas para não deixar programações em suspenso. Soluções para que o público saiba que o Teatro não desapareceu, oportunidades para representar. Seja ao vivo, para cinco pessoas, ou online, para quantas quiserem assistir.

Na efeméride deste 27 de março, vários intervenientes que vivem desta forma artística, abordados pelo JM, recordam que sem teatros não há teatro. No real mundo do teatro, por detrás da resiliência de remar contra tudo o que a pandemia impõe, sobrevive-se. Sempre se sobreviveu, mesmo antes da crise que teima em não passar.

Para Laura Aguilar, Ricardo Brito, Paula Erra, Roberto Costa e Eduardo Luíz, e para os muitos que se encontram às escuras por detrás do pano, este não é um dia para festejar, mas sim para refletir. Sobre a importância de valorizar o teatro e qualquer tipo de manifestação artística partindo da educação, sobre a união entre os artistas, sobre o apoio às artes por parte de quem governa e sobre o lado bom e o mau de colocar a cultura à distância de um clique.

 

Espetáculos limitados a cinco pessoas “é uma questão sem resposta” Eduardo Luíz, diretor artístico do Teatro Experimental do Funchal

“Como se costuma dizer que o Natal é todos os dias, também o dia do teatro é todos os dias. Mas temos de demarcá-lo, principalmente numa altura como esta, que é a da pandemia que prejudicou imenso todas as atividades relacionadas com a arte, com a cultura. Milhares de artistas ficaram sem trabalho, sem forma de funcionar, e esta data é uma forma de nós próprios alertarmos a comunidade internacional e também sensibilizar ainda mais todos os nossos governantes e o nosso público. Para que é o teatro? Qual é a sua força e importância? É uma importância transversal, a começar pela educação. Temos de alertar para a importância do teatro na construção de cada indivíduo na sua libertação corporal, na sua criatividade, na sua imaginação. Este dia serve para dizermos que somos necessários, essenciais na formação de cada cidadão. O teatro não é só o espetáculo, é também a formação, a preparação de um indivíduo consciente. Grande força tem o teatro neste momento. Sabemos que é preciso um trabalho hercúleo para conseguir tudo aquilo que nós ansiamos como artistas e como educadores no teatro, porque, por muito que alertemos, nem sempre a sociedade, principalmente os nossos governantes, conseguem satisfazer de forma absoluta aquelas que são as nossas necessidades.

Torna-se até absurdo fazermos espetáculos para cinco pessoas, mas de qualquer maneira teatro é teatro. Trabalhamos na mesma, mas para as companhias, grupos e essencialmente para quem vive do teatro, não é nada rentável. É complicado, não há forma de sobrevivência. Apesar dos apoios, o mundo do espetáculo implica estar. É uma arte de palco. Por muito que façamos ‘streamings’ ou diretos, esta é apenas uma forma de sobreviver. É claro que temos de estar do lado de quem cuida da nossa saúde, e acredito não é objetivo de qualquer governante bloquear a atividade cultural e artística. Mas será aceitável questionarmos o porquê de termos de realizar um espetáculo para cinco espectadores quando há outros sítios com muito mais gente. É uma questão para a qual não conseguimos ter resposta, quando nós garantimos todos os cuidados possíveis.”

 

“O Dia Mundial do Teatro sem teatro é um dia sem brilho para quem faz do teatro vida”

Ricardo Brito, ator e encenador

“O Dia Mundial do Teatro não é um dia qualquer. É um dia que celebra uma das ferramentas produzidas pelo ser humano que tem em vista um objetivo maior, que é precisamente isso: humanizar. Tornar cada vez mais sensível e empático este lugar onde todos habitamos. Este é o segundo ano em que estamos privados de o fazer presencialmente, efetivamente fazendo aquilo que é a nossa função, que é proporcionar encontros olhos nos olhos com as pessoas. Para rirmos, chorarmos em conjunto, questionarmos o mundo, refletirmos, e acima de tudo procurarmos elos de ligação com as pessoas que se predispõem a assistir a um espetáculo de teatro. Esse elo de ligação é já um compromisso. Essa vontade de assistir a um espetáculo feito com vontade pelos artistas, que ele seja partilhado pelo público, é um elo que é inquebrável, independentemente do género. Porque é uma manifestação comum, uma vontade de sonhar, de nos emocionarmos e de imaginarmos as possibilidades de, questionando o mundo, o encararmos de uma forma muito mais empática.

O Dia Mundial do Teatro sem teatro é um dia sem brilho para quem faz do teatro vida, porque estamos impedidos de celebrar esse lugar de partilha, de compromisso com as pessoas que nos procuram. Isto vai ter de passar, mais dia menos dia. Nós não podemos deixar em branco esta data sem reafirmar a necessidade de olharmos para a rua, para a vida quotidiana, porque essa permanece, com maiores ou menores entraves, maiores ou menores dificuldades. A vida está aí. O mundo está aí. E se a vida e o mundo estão aí, o teatro também só tem de prosseguir esse objetivo de olhar, observar, transformar, recriar, sonhar e imaginar. Sendo o teatro uma das mais elevadas manifestações do ser humano, como é a arte, porque é humanizante, e porque o ser humano está aí, e vive, e continua, o teatro vai encontrar sempre o seu espaço. Vai encontrar sempre uma razão para existir. Por isso, tendo em conta os dias que vivemos, e aqui na Madeira em particular, onde as salas de espetáculos estão limitadas a cinco pessoas, temos de reafirmar a nossa vontade de continuar a existir. Acima de tudo, porque fazemos falta uns aos outros. Acima de tudo, porque ninguém nos pode retirar essa capacidade de nos reencontrarmos. De pensarmos, sentirmos em conjunto. De nos colocarmos no lugar do outro. O Dia Mundial do Teatro é isso mesmo: o dia em que temos de fazer aquilo que é a nossa ferramenta, de nos colocarmos no lugar do outro.”

 

“É urgente procurar arte”

Laura Aguilar, atriz

“O teatro, e as artes no geral, sempre tiveram problemas de todos os tipos. São áreas precárias, e a pandemia só veio realçar o que já estava mal. A pandemia não é, de todo, uma coisa positiva, mas espero que com tudo isto que se está a passar se possa trazer algum foco a esta questão da precariedade nas artes e no teatro. O teatro foi das primeiras coisas a confinar, certamente será das últimas a desconfinar, por ser algo que ainda é visto pela nossa sociedade como uma coisa que é dispensável, que não é necessária. E a verdade é que eu sinto que as artes, não só o teatro, foram o que manteve a minha sanidade mental durante esta pandemia, porque pude entreter-me a ver filmes, a ouvir música. É preciso valorizar a arte, sensibilizar as pessoas a procurarem arte desde novas. Tenho amigos e familiares que eu sei que só vão ao teatro porque me conhecem, porque têm vontade de viver. É urgente procurar arte. Apesar de entender que os artistas tenham parado porque não têm motivação, julgo que o mais importante, neste momento, é fazer arte. O teatro serve para pensarmos o mundo, e porque não usá-lo para canalizar todas as frustrações que surgem com a pandemia, como o facto de não podermos estar uns com os outros? O meu apelo é que as instituições continuem a procurar alternativas para fazer arte, como o tem feito o Teatro Baltazar Dias, e que as pessoas as procurem. Há iniciativas grátis, sem ser preciso sair de casa. Apoiem, tentem perceber o que há disponível. Todos nós estamos à procura de formas de chegar ao público.”

 

“O teatro sem público não é nada. Não existe”

Paula Erra, atriz do teatro Feiticeiro do Norte

“Sempre houve dificuldade no teatro, mas nunca como nestes tempos. Não conseguimos fazer espetáculos e isso é uma grande tristeza para todos nós. Penso que qualquer ator sente isso, porque o teatro, sem público, não é nada. Não existe. Estas alternativas de fazer online, são positivas. Refletem o querer estar em cena de alguma maneira, não desaparecer. Mas é uma questão polémica que exige alguma reflexão. Eu tenho as minhas dúvidas se não estaremos a chamar de teatro a qualquer coisa que esteja a ser feita.

Tenho receio que isto dure muito mais tempo e que percamos a esperança, porque sem esperança não se consegue fazer nada. Espero que a esperança continue a existir. De que a arte seja vista como algo importante na educação e na formação de todos nós enquanto seres humanos. Apesar de todos os apoios e consideração, pelos quais estamos gratos, é preciso realçar que temos sempre contas para pagar. O teatro continua a precisar de apoios, precisa urgentemente de público, precisa de pessoas que acreditem que o teatro é importante, para não desaparecer. Porque não é difícil desaparecer, principalmente com todas estas alternativas que têm surgido. O teatro precisa de passar das ideias para a prática. Temos ideias, temos apoio moral, mas isso não nos alimenta a boca. Alimenta-nos um bocadinho da esperança, só. Que este Dia Mundial do Teatro sirva para refletirmos, mas refletirmos com ação."

“Precisamos de apoio, não necessariamente financeiro”

Roberto Costa, presidente do Grupo Teatral de São Gonçalo

“À medida que se constrói uma nova realidade, compreendemos que pouco será como dantes. Tantas vezes ambicionamos por fazer diferente, no entanto para se fazer diferente é necessário passar pela mudança. A mudança tantas vezes assustadora é o que sempre nos leva ao outro lado de quem podemos ser. E mesmo após se mudar, compreende-se que a essência é sempre a mesma. Tal qual peça de teatro, em que se mudam os enredos, os cenários, os atores, mas mantém-se sempre o propósito de contar uma história diferente, nunca antes vista, ouvida, sentida, vivida. Uma história que marque, que passe a fazer parte e que abra as portas para novas formas de ser, estar, viver.

Que possa o Teatro também servir na arte de viver, ensinando que sempre iremos ser chamados a ocupar diferentes papéis, personagens, que sempre iremos ser desafiados a evoluir, a reconstruir, a criar a nossa história.

Possamos continuar a dar vida ao Teatro, pois o Teatro é também a prática das mais variadas formas de vida.

Não deixem “morrer” esta arte, precisamos de apoio, não necessariamente apoios financeiros, mas sim locais para ensaio e preparação dos trabalhos.”