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Mar 10, 2021 - 5 minute read

Possibilidade de Lula concorrer às presidenciais no Brasil é trunfo para Bolsonaro - analista

A analista Carmen Fonseca considerou hoje que, se a justiça brasileira permitir que Lula da Silva concorra às presidenciais no Brasil em 2022, esse poderá ser o “trunfo” que faltava ao Presidente Jair Bolsonaro para ser reeleito. “Jair Bolsonaro foi eleito por um discurso anti-PT e anti-Lula, com os votos destes eleitores. Se Lula da Silva regressa agora, Bolsonaro volta a ter os argumentos, que estavam até relativamente apagados”, e esse era o “trunfo” que lhe faltava, disse à Lusa a professora e investigadora do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade de Lisboa, especialista em assuntos de política do Brasil.

Carmen Fonseca sublinhou que a pandemia deixou o Brasil num “caos absoluto, em que estava antes da pandemia, mas que se agudizou com a forma como a pandemia foi atacada”, a economia do país atravessa sérios problemas, e, se Bolsonaro não tinha até agora muitos argumentos políticos para levar a cabo uma campanha vencedora, a justiça brasileira pode ter-lhe oferecido um.

“Bolsonaro passa a ter um opositor real. E ainda por cima sendo quem é: Lula da Silva”, sublinhou a investigadora.

“Penso que este episódio da justiça brasileira, que abre a via ao regresso de Lula da Silva, pode ter dois desfechos. Por um lado, Lula pode vir a ser candidato, fazer campanha eleitoral e dar um pouco mais de voz ao PT [Partido dos Trabalhadores], que andava já meio morto, mas, por outro lado, também vem trazer aquilo que Bolsonaro tanto gosta, que é ter alguém que possa acusar”, acrescentou.

O Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro anulou na segunda-feira todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela Justiça Federal no Paraná, relacionadas com as investigações da operação Lava Jato.

A decisão ainda depende do coletivo do mesmo tribunal vir a confirmar, ou não, a decisão do juiz relator dos casos da Lava Jato, Edson Fachin, mas, a fazê-lo, esta tem também um mérito duplo, na opinião de Carmen Fonseca: “É que, ao anular todas as condenações de Lula, decorrentes das decisões de [o juiz que conduziu a Lava Jato] Sérgio Moro, faz com que desapareça uma eventual suspeição sobre Moro”.

Ou seja, apontou a especialista portuguesa, Edson Fachin, com esta decisão, “elimina também a eventualidade de Moro vir a ser chamado a responder perante a justiça”, por alegada parcialidade suscitada pela defesa de Lula da Silva, o que tem um corolário óbvio: “Sérgio Moro pode vir também a ser candidato em 2022”.

A investigadora reconheceu “algumas possibilidades” de sucesso eleitoral a Moro, “especialmente pelo trabalho que fez contra a corrupção, que lhe deu visibilidade e trouxe muito apoio popular, precisamente, até ter entrado no Governo de Bolsonaro” e oferecido a imagem da “politização da justiça”.

Uma decisão com custos. “A partir do momento em que Moro entrou no Governo Bolsonaro, mostrou, de certa forma, que era mais do mesmo. Mostrou que se tratava de mais uma pessoa que tanto estava na justiça como na política e acho que isso o fragilizou. Mesmo que depois ele tenha virado as costas a Bolsonaro e tenha saído”, frisou.

“Mas não deixa de ter alguma possibilidade, e diria até que tem mais possibilidades do que Bolsonaro. Mas isso dependerá também das coligações e do apoio político que ele possa vir a ter”, notou Carmen Fonseca.

Quanto a Bolsonaro, a professora da FCSH tem “algumas dúvidas de que venha a ser reeleito”, mas sublinhou que “as alternativas, e nas eleições municipais [de novembro de 2020] isso ficou relativamente claro, não são muitas”.

“A esquerda, sobretudo o PT, está muito presa a Lula. As eleições municipais mostraram uma tentativa de rejuvenescimento, não necessariamente do PT, mas dos partidos mais à esquerda, mas depois os partidos de direita e centro-direita, MDB, ou o PSDB de Fernando Henrique Cardoso, ainda não conseguiram reafirmar-se novamente na cena política”, vincou a especialista em política brasileira.

“Uma das coisas que contribuiu para a eleição de Bolsonaro foi, tanto à esquerda como à direita, os partidos estarem muito fragmentados, muito pouco consolidados”, recordou.

Já sobre Lula da Silva, Carmen Fonseca salientou que “não é o mesmo de 2003”. “A popularidade e carisma que Lula tinha em 2003, ou mesmo em 2017-2018, nessa campanha eleitoral que foi forçado a abandonar, já não tem o mesmo peso”.

“Bolsonaro foi eleito precisamente pelo ‘anti-petismo’ e pelo ‘anti-lulismo’. O que se liga à questão do populismo de Bolsonaro. Qual foi o seu projeto político? Bolsonaro não precisou de qualquer projeto político. O que o serviu foi ser anti-Lula e anti-PT e anticorrupção, porque, com a operação Lava Jato, tudo isto estava personificado em Lula”, sublinhou.

Além de Bolsonaro, Lula e eventualmente Moro, Carmen Fonseca admitiu que não tem ainda uma “visão” de entre quem se decidirá a contenda eleitoral de 2022. “Ainda não tenho uma visão… Há também o governador de São Paulo, João Dória, do PSDB, que tem tentado mostrar algum trabalho, o Ciro Gomes, Partido Democrático Trabalhista (PDT)… Mas ainda não há um cenário muito claro", disse.

A professora da FCSH entende que a decisão da justiça brasileira “é a melhor coisa que poderia acontecer a Bolsonaro” e resta esperar para ver “ver agora qual vai ser a sua capacidade de instrumentalizar esta decisão e de revertê-la a seu favor”.

“Lula também é um político com muita experiência. Vamos ver se entra nos jogos políticos de Bolsonaro. Porque acho que é mesmo jogo, no sentido mais pejorativo da expressão”, afirmou.

Ou seja, “temos muita telenovela para os próximos meses”, rematou.