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Mar 19, 2021 - 6 minute read

Não podemos educar os filhos pelo medo

O tempo em que o ‘não’ do pai terminava a conversa já lá vai. Hoje, há necessidade de explicar a razão das coisas, numa atitude pedagógica, decisiva para o futuro dos filhos e para a relação familiar. Esta é uma das sínteses, em ‘Dia do Pai’ ,retirada da conversa com Jorge Ascenção, presidente do Confederação Nacional das Associações de Pais e conselheiro nacional da educação. Ao JM, Jorge Ascenção considera que sim, que “hoje o ‘não’ tem de ser explicado, porque eles têm acesso a muita informação e é importante explicar as razões do ‘não’. Explicar o porquê não tem mal nenhum. Os nossos pais tinham muito respeito, mas também muito medo dos nossos avós. Não podemos educar pelo medo, mas sim pelo respeito e pela confiança. Mas isso não significa que não se possa dizer ‘não’, mas explicando as razões do não, ou por ser muito cedo, ou inclusive por razões financeiras. Temos de lhes explicar as prioridades e eles entendem isso e isso irá ajudá-los também a prevenirem o futuro. Somos o porto de abrigo, para ouvir e orientar, mas nunca julgando, e ao mesmo tempo o filho terá a noção que a autoridade é o pai. Mas isto não pode levar a pensar que não podemos dizer ‘não’”. Pese a evolução da sociedade, o papel do pai, no essencial, não mudou muito, mas o contexto e as ferramentas são distintos. “Na geração anterior, tínhamos um bocado a ideia de que os filhos só tinham de obedecer, normalmente à base do castigo, da ameaça física, da tareia…” Hoje, “o pai tem mais noção de que os filhos são seres próprios, com personalidade própria, e temos de ser, desde logo, um amigo, mas se temos de ser um farol para os filhos, também temos de ser uma autoridade, com rigor e seriedade. Temos de ser o guia, permitindo-lhes a sua própria autonomia e desenvolvimento”. Assim, “ao mesmo tempo que somos o farol, somos também o timoneiro deste barco em que navegamos em conjunto”. O ‘Dia da Mãe’ tem muito mais projeção do que o ‘Dia do Pai’, mas Jorge Ascenção aceita de bom grado a diferenciação. É uma questão de ‘autoridade vs afeto’. “Mãe é mãe e o pai entende isso. A mãe andou com o filho dentro dela e há uma relação umbilical diferente, tem uma relação de afeto mais intensa. O pai, por norma, é um pouco mais racional, é a pessoa que mais vezes faz cumprir as regras. No pai está mais a autoridade e do lado da mãe mais o afeto. E o Dia da Mãe é algo que nos leva mais para o lado emocional”, explana. Terá a pandemia trazido desafios acrescidos aos pais? Jorge Ascenção diz que sim, e explica: “a vida é feita de momentos e de equilíbrios nesses momentos. E fomos obrigados a encontrar novos equilíbrios, a tentar perceber uma forma diferente de viver, porque estamos mais tempo juntos. Para todos os efeitos, estivemos ‘presos’ juntos e a ‘prisão’ nunca é benéfica para ninguém”. Mas trouxe também aspetos muito positivos. “Trouxe novas descobertas”, considerando que “há pais que descobriram que afinal os filhos têm muito mais capacidade do que julgavam. Houve pais que tiveram a felicidade, pela primeira vez, de forma muito mais próxima, de acompanhar o desenvolvimento dos filhos. Aprendemos a perceber melhor, a nos respeitar mais e a aceitar melhor os limites de cada um. Num ou em outro caso poderá não ter existido essa capacidade, mas, no geral, reforçou os laços familiares”. Em termos económicos, é cada vez mais complicado ter filhos e as famílias numerosas tenderão a desaparecer. Mas Jorge Ascenção releva que não será apenas por motivos financeiros. De acordo com as suas palavras, “a nossa organização laboral alterou-se muito. Antes, muitas famílias até tinham o negócio na própria casa, como é exemplo a agricultura. Hoje, temos muito mais serviços e comércio. As pessoas saem muito cedo de casa, chegam tarde e não têm tempo para poder acompanhar os filhos. Isso, associado ao facto de terem rendimentos baixos, e muitos milhões de famílias têm défice de rendimento, faz com que repensem essa questão de ter filhos. E quando têm já é tarde, cada vez é mais frequente ser pai depois dos 30 e tal anos, quando nessa altura os nossos pais tinham já dois ou três filhos. A forma como a sociedade está neste momento organizada, que mais tarde ou mais cedo terá de inverter, não será propícia a famílias numerosas”. Uma recente notícia dá conta que Espanha vai experimentar um projeto piloto de laboração apenas quatro dias por semana, sendo um dos fundamentos o fortalecimento familiar. “Há muitos anos, a França também andou com uma ideia de redução de horários para combater o desemprego e com esse propósito familiar. Claro que isso tem reflexos nos rendimentos e não foi em frente. Era preciso ter um PIB e uma produtividade mais robustos. Mas, por princípio estaria correto e seria uma boa solução para ter mais tempo para a família, que é a base de toda uma vida equilibrada. Aliás, será uma medida que muitas famílias já adotam quando é possível, optando por ganhar o suficiente para terem uma vida digna e ao mesmo tempo estarem mais perto da família, recuperando um modelo antigo, com um dos pais mais dedicado à casa e à família e o outro em atividade profissional”, partilhou. Em crescente está o ‘fenómeno’ de recurso aos psicólogos, até por parte dos mais jovens. Será sinal de fracasso dos pais? “Não, nada disso”, riposta. Para Jorge Ascenção, o apoio psicológico é “um complemento por vezes necessário. Começamos a ter a noção, e bem, de que o psicólogo é alguém que nos pode ajudar a encontrar equilíbrio. O psicólogo pode ser alguém. Como dantes acontecia muito com os padres, em que partilhávamos as nossas preocupações. O psicólogo não é para pessoas doentes, mas sim para nos ajudar. Não se veja isto como um problema de saúde mental, porque não o é. Será, quanto muito, mais uma situação de prevenção dessa saúde mental. Mas não espanta que haja mais pessoas com essa necessidade, porque também existe o outro lado, motivado por mais ansiedade, mais stresse pela velocidade com que tudo acontece, de atingir objetivos profissionais, com falta de tempo para estar em família e do nosso ambiente de conforto”. Que conselhos daria aos pais da atual geração? Este foi o desafio e Jorge Ascenção deixou o seu testemunho: “primeiro que tudo, conhecer e respeitar a autonomia do filho. Respeitá-lo enquanto pessoa, mesmo em crianças. Saber ouvir e falar mais. Temos de saber ouvir sem julgar. Quando o nosso filho nos quer falar de um problema, temos de o ouvir, tentar nos colocar no lugar dele, tentar compreender antes de o julgar. É difícil, porque são gerações diferentes, quase sempre com 30 anos de diferença e já nada é como era na nossa juventude. Mas temos de fazer esse esforço de os entender e ter a capacidade para compreender que há, seguramente, uma verdade diferente. Dar sempre aos nossos filhos o sentimento que eles têm na mãe e no pai um porto seguro. De segurança, confiança e entendimento. E ter a humildade de reconhecer, perante eles, quando temos um mau momento, uma reação extemporânea”.