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Feb 20, 2021 - 7 minute read

Muros de pneus em terrenos vão ser alvo de fiscalização

Secretaria confirma que os proprietários que utilizam pneus em terrenos “serão alvo de inspeção, nomeadamente para saber se estes foram adquiridos ilegalmente”. Paisagens por toda a Região, desde Câmara de Lobos até Machico, são compostas por terrenos ‘manchados’ por milhares de pneus que ao longo de décadas foram empilhados a servir a construção de muros de suporte de terras. Uma alternativa encontrada por muitos agricultores que, por um lado, serve de reutilização de um tipo de material com uma decomposição que demora centenas de anos. Por outro, representa graves consequências ao nível ambiental e paisagístico.

É nesse sentido que a Secretaria de Ambiente, através da Direção Regional de Ambiente e Alterações Climáticas, anunciou recentemente que será condicionada a utilização de pneus em terrenos na Região, estando a ser preparada regulamentação no sentido de limitar a sua utilização a casos de obras públicas e particulares devidamente aprovadas, conforme avançou o JM.

Questionada pelo Jornal acerca do que será feito no que diz respeito aos pneus já colocados nas terras, a DRAAC explica que “a regulamentação que será aprovada só tem efeitos para novas situações”, mas adianta agora que haverá um aperto na fiscalização desta alternativa aos tradicionais muros de pedra.

“Os proprietários que já usam pneus em terrenos serão alvo de inspeção, nomeadamente para saber se os pneus foram adquiridos ilegalmente”, explica a tutela ao JM. Em termos práticos, isto significa que apesar de não se prever que a regulação surta grandes efeitos para as situações já existentes, “todos os casos detetados e ou comunicados à inspeção ambiental (seja em apartamentos, seja em terrenos agrícolas) serão analisados quanto à legalidade da sua génese”, nomeadamente ao facto de terem sido, ou não, entregues pela VALORPNEU, a entidade encarregue de facultar autorização prévia para a utilização de pneus para fins construtivos. Para além disso, a tutela anuncia ainda que “será também verificada a existência de autorização do município quanto à operação urbanística”.

Caso seja considerado, nestas ações de fiscalização, que a manutenção das muralhas construídas com pneus acarreta riscos para o ambiente e segurança pública, “os proprietários serão mesmo notificados para proceder à retirada dos mesmos”.

Inspeção já no terreno

A verificação da legalidade do uso de pneus em obras cabe aos municípios se a infraestrutura em causa for sujeita a licença ou a comunicação prévia. No entanto, a fiscalização da utilização de pneus usados (resíduos) de forma ilegal cabe à DRAAC, que atualmente está a proceder ao levantamento daquelas infraestruturas

Paralelamente a essas ações, a Unidade de Inspeção Ambiental encontra-se no terreno de forma a verificar registos e guias de transporte, assim como a sensibilizar os produtores de pneus usados em relação aos destinos adequados dos mesmos.

VALORPNEU aguarda regras

Como referido, o travão à utilização de pneus usados na construção de muros de suporte passa por uma autorização prévia que deve ser cedida pela VALORPNEU, sendo que a sua utilização tem de ser autorizada e deve obedecer a um conjunto de requisitos.

Por agora, sabe-se que esta entidade, que possui um Centro de Recolha na Região nas instalações da Águas e Resíduos da Madeira (ARM), está atualmente a aguardar a publicação das novas regras por parte da DRAAC antes de aceitar novos pedidos ou facultar qualquer indicação no que toca às condições para usufruir deste serviço. A aguardar a publicação do novo enquadramento, a VALORPNEU evita, assim, transmitir a potenciais interessados naquele serviço condições que possam já não ser válidas à data em que os pneus pretendidos estiverem disponíveis.

Coimas até 216 mil euros

Quando a intenção é descartar pneus usados, estes devem ser sempre depositados num destino adequado, nomeadamente pontos de retoma ou operadores de gestão de resíduos. Posteriormente, as entidades competentes têm obrigação legal de entregar os pneus no centro de receção da VALORPNEU. Os produtores também os poderão entregar diretamente no centro de receção.

A tutela refere que de acordo com a lei das contraordenações ambientais, “o não encaminhamento de resíduos para destino adequado constitui uma contraordenação ambiental grave”, punível com “uma coima de valor entre 2.000€ e 20.000€ se praticada por pessoa singular em caso de negligência”, havendo a possibilidade de a mesma coima ser duplicada em caso de dolo. Se praticada por pessoa coletiva, a coima passa a ser “entre 12.000€ e 72.000€ em caso de negligência, passando para uma coima entre 36.000 € e 216.000 € em caso de dolo”.

Região não consegue precisar volume de pneus usados em terrenos

O Jornal procurou saber junto da tutela do Ambiente se há conhecimento de qual o volume exato da utilização de pneus colocados nos terrenos da Região, ao qual a DRAAC respondeu que apenas possui o registo dos pneus entregues pela ARM, sendo eles, na sua maioria, destinados a obras públicas, nomeadamente à cobertura de lajes e infraestruturas rodoviárias.

Para além disso, aquele órgão do Governo Regional tem “também conhecimento no terreno de diversas intervenções públicas e privadas”. Por quantificar ficam, por exemplo, os pneus cedidos ilegalmente por oficinas e demais empresas que não estão autorizadas a entregar diretamente qualquer quantidade de pneus a um utilizador final.

Municípios desconhecem legislação e apelam ao bom senso

O presidente da Associação de Municípios da Região Autónoma da Madeira (AMRAM), Ricardo Nascimento, acredita que esta é uma questão que cabe ao “bom senso das pessoas”, admitindo não haver, pelo menos no que diz respeito ao município a que preside, a Ribeira Brava, “nenhum regulamento” que controle o uso de pneus na construção de muros de suporte das terras.

No concelho da Ribeira Brava, “não há conhecimento de situações fora do normal, apenas casos esporádicos”, afirmou ao JM. Já no município de Câmara de Lobos, local onde, à semelhança do concelho de Machico, a reportagem do JM encontrou vários casos de muros de pneus colocados junto a residências, existem situações de incumprimento que motivaram contraordenação.

Questionado acerca de uma eventual intenção de abordar o assunto em futuras reuniões entre os líderes das autarquias madeirenses, o presidente da AMRAM diz que esta “é uma questão em que se pode pensar”.

Pneus podem ser “uma fonte de poluição muito grave”

Apesar da perspetiva de que reutilizar algum resíduo é sempre algo benéfico em termos ambientais, o que se confirma em diversas circunstâncias, nem sempre isto acontece quando se fala num determinado tipo de resíduos e aplicações para os mesmos. 

Com a reutilização de pneus, “podemos estar a ter boas intenções, mas estamos a falar de uma acumulação de resíduos que a partir de um determinado momento tenderá a ser esquecida naquele local”, alerta o biólogo Hélder Spínola. No caso da utilização de pneus para a construção de muros de contenção, “mesmo que numa fase inicial as pessoas façam uma gestão do espaço, no fim dessa aplicação as pessoas não retiram [os pneus] para os encaminhar para um destino adequado”, o que representa vários riscos para o ambiente e para a saúde pública. 

“Esses espaços ficam abandonados, cobertos por vegetação, e quando ocorrem incêndios florestais eles são alimentados por esse amontoado de resíduos”, o que constitui “um risco agravado de incêndio”, aponta o ex-presidente da organização ambientalista Quercus. Por outro lado, esses amontoados, caso sejam atingidos pelo fogo, vão transformar-se “numa fonte de poluição muito grave”, emitindo “fumos bastante tóxicos” que podem afetar a população nas imediações e que “não desaparecem pelo facto de deixarmos de o ver”. 

A isto, acrescenta-se a questão do impacto paisagístico. No que concerne à paisagem humanizada da Região, composta pelos caraterísticos socalcos ou poios, e pelas tradicionais paredes em rocha basáltica que os suportam, os pneus são “um elemento que pode criar alguma disrupção na nossa beleza paisagística”, defende o biólogo. 

Felicitando o Governo Regional pela criação de um enquadramento legal para que a aplicação de pneus careça de uma análise prévia, Hélder Spínola alerta para a necessidade de apostar na fiscalização para impedir situações de desvio de pneus por parte de privados.