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Mar 7, 2021 - 11 minute read

Herberto Jesus: Reabrir a economia só com 20 casos diários

Herberto Jesus assumiu a Direção Regional de Saúde em novembro de 2020, mas desde a primeira hora tem estado na linha da frente do combate ao coronavírus. “Tem sido uma viagem alucinante”, admite. “Tem sido um ano e um mês muito intenso, em que eu só penso nisto, só vivo isto”, confessa. Com a batalha a ser ganha, o responsável diz que a reabertura da economia só deverá acontecer dentro de um mês, se se diminuir o número de casos diários positivos para 20. Por Paula Abreu/Miguel [email protected] JM - Que balanço pode ser feito deste ano de pandemia?Herberto Jesus Que ilações tira a Região do vírus que também revelou algumas fragilidades ao nível da saúde pública?A economia sempre controlou o mundo e nunca ninguém percebeu que o que gera a riqueza das populações é sermos saudáveis. A saúde pública sempre foi considerada, antes da pandemia, como o parente pobre da medicina e da saúde. Esta situação veio alertar para a necessidade de olharmos cada vez mais para a saúde pública como algo que determina a riqueza das populações. De facto, nós próprios, a nível mundial, não tínhamos a preparação suficiente para lidar com o problema. Com o excesso populacional, o aumento da mobilidade e a deflorestação, vai haver que haja cada vez mais pandemias. Vamos usar sempre máscara? Não sei. Provavelmente, vamos ser um pouco orientais. Antes achávamos estranho, quando viajávamos, ver sempre os orientais a usarem máscara. Provavelmente, estamos a mudar. Muitas das decisões que fomos tomando era sobre coisas novas. Nós próprios íamos olhando para o mundo, víamos o que o mundo fazia e íamos adaptando à Região. Eu não consigo dizer neste momento se foram medidas certas ou erradas, mas provavelmente daqui a dez anos, quando olharmos para trás e vermos o histórico, será mais fácil ver onde é que erramos ou não. Neste momento, o espírito de proteção da ilha é mais forte. Estou tão imbuído nisto, que não consigo dizer o que poderia ser melhorado. É lógico que não quero que a economia e o turismo parem na Região, mas sinceramente não consigo dizer se deveríamos ou não ter antecipado os testes, se poderíamos não ter fechado a ilha… Atendendo a que tivemos o pico de incidência em janeiro, não admite que no Natal e fim-de-ano, se deveria ter fechado mais a Região?Como madeirenses que somos, a nossa referência do ano é a Festa. Olhando agora para trás, será que se tivéssemos feito o encerramento do mês de dezembro de uma forma mais dura, teríamos resultados diferentes nos números de casos? Ou será que as pessoas iam ficar mais desgostosas e tristes? É uma balança muito difícil porque é a altura em que nós próprios damos muito de nós. Fechar mais cedo o comércio no mês todo de dezembro? Talvez, mas isso também teria implicações na sociedade madeirense. É difícil responder, mas sei que o facto de não termos fechado tanto em dezembro, poderá ter tido efeitos na onda de janeiro. No momento era certo. Mas será que quando reativarmos tudo, não iremos ter os mesmos comportamentos de antes, como uma libertação? Os anos 20, depois da gripe espanhola, foram a loucura total. O nosso receio agora é quando deixarmos de restringir, haja uma libertação que nos cause mais problemas de outra índole. É difícil responder a essa pergunta.Depois do pico de janeiro, caminhamos para o controlo do coronavírus na Região?Eu tenho fé (e falo de fé e não de ciência) que sim. A curva está no planalto, mas está a começar a descer. Estamos a vacinar consoante a disponibilidade das vacinas. Mas, cada vez mais vão chegar turistas. O que queremos neste momento na Região é diminuir a transmissão local. O número diário tem-se mantido entre os 60 e 40 casos. O número que me dá tranquilidade é 20 por dia, mas não sei se vamos chegar lá tão cedo. Penso que estamos no caminho certo. O problema que se põe é que vamos abrir a ilha, temos de o fazer. Como explica a inversão da pandemia entre as duas regiões autónomas? Ou seja, nos Açores a pandemia começou com mais força e desde o início do ano abrandou, enquanto que na Madeira foi ao contrário…O maior número de testes de despiste era nas entradas na ilha. Os Açores tinham poucas entradas, com poucos voos. O grande ‘boom’ dos testes foi com as entradas na Madeira. Com a redução nas entradas, passamos a testar menos. Temos três ou quatro voos por dia e, por vezes, apenas um voo do continente, por isso o número de testes está a diminuir.Quantas cadeias de transmissão existem atualmente?O último número que tínhamos era um pouco mais de 90. Atualmente, deve estar um pouco menos. Neste momento, o que me interessa é detetar todas as pessoas positivas. Chama-se cadeia de transmissão quando esta pessoa contamina outra. O principal agora não é tanto definir as cadeias, mas saber onde elas estão e temos registos georreferenciados de onde estão. É um vírus em mutação com o surgimento de novas variantes, sendo talvez a do Reino Unido a mais preocupante dada a relação com a Madeira, por via dos emigrantes e do turismo. Dos casos atuais, é possível saber quantos são causados por essa variante?Temos as do Reino Unido, África do Sul e Brasil. Temos cerca de 60 a 70% com a variante britânica. As vacinas têm alguma preponderância na luta contra as variantes. Mas, uma vacina apenas não impede que eu apanhe ou transmita a doença. O que impede é que eu não tenha doença severa. Penso que nos próximos tempos, vai-se fazer como a gripe. No futuro, vamos vacinar apenas os grupos vulneráveis, isto quando tiver tratamento. O presidente do Governo já anunciou que as atuais medidas de contenção da pandemia vão manter-se, pelo menos até à Páscoa. Considera que seria possível aliviar algumas das restrições antes, já que os números estão a baixar?Estão a baixar, mas tem de ser de forma consistente. Estamos nos 40 a 60 casos. Se conseguirmos baixar para os 20 casos diários, dá-nos uma certa segurança para reabrir. Falamos de ciclos de 14 em 14 dias, seriam dois ciclos. Se tudo correr bem, um mês. A data da Páscoa dá-nos uma certa segurança para depois começarmos a reabrir a economia. É o nosso pensamento, mas vai depender muito da evolução dos números. Esperemos que os números assim o permitam para conseguirmos viver de uma forma mais consistente.Mantendo-se como está até à Páscoa, será possível abrir o comércio, normalizar os horários?As aberturas terão de ser de uma forma faseada. Provavelmente, o número de voos a entrar também vai aumentar e temos de conciliar a Região com esse número. Muitas pessoas virão vacinadas, mas muitas não e, como já disse, a vacina só previne a doença severa, mas a pessoa pode continuar a ser infetada. Por isso, sou a favor da reabertura faseada, sempre analisada com a colaboração da população.Com a reabertura do turismo, será determinante a criação do corredor verde?Nós temos abertura para receber pessoas que tenham o plano de vacinação completo. É pacífico. Só iremos testar à entrada se tiverem sintomas. Dá-nos uma certa segurança, mas não sei como a Europa vai proceder, porque está a atrasar por vários motivos, o envio de vacinas. Portanto, um processo que poderia ser mais rápido poderá ser mais lento, mas cada vez mais a abertura da Região permite a entrada de pessoas vacinadas e quem não tem teste faz à chegada. E para quanNós estamos com diversas negociações com as empresas, disponibilizamos a possibilidade de fazer testes se for caso disso, quer no público e privado. Estamos predispostos, desde que haja interesse das companhias, que também estão a atrasar o início de funções, para começar a receber navios de cruzeiro. Mas as companhias também estão a se retrair, estão indecisas se os clientes entram vacinados ou não. Algumas companhias já manifestaram interesse, querem saber quais as condições que existem na Madeira, mas ainda não há uma data certa.Relativamente ao número de casos diários, continua a discussão entre os divulgados pela Direção Geral de Saúde e pela Direção Regional, que continuam a ser divergentes…Nós temos, de facto, uma diferença de cerca de 600 casos, com a DGS a apontar menos do que os que temos registados na realidade. Tem a ver com vários motivos. Um deles é o processo de validação e falhas nas plataformas. Mas, o número real é o nosso, o que sai todos os dias nos nossos boletins, que é o diagnosticado na Região.É também o coordenador da Comissão de Acompanhamento da Vacinação da covid-19. Será possível atingir a meta dos 70% de cobertura vacinal até ao final do verão?Pensamos que vamos manter o programa de vacinação até março, com 30 mil pessoas a serem vacinadas, com as vacinas que a União Europeia tem enviado para Portugal, que envia 2,5% para a Madeira das vacinas que o país recebeu. Estamos cientes que o vice almirante Henrique Gouveia e Melo (atual responsável pela task-force nacional) vai respeitar este acordo pelo menos até final de março. Idealmente, se houver vacinas, é lógico que até setembro, conseguimos vacinar, mas o problema é que não sabemos quantas doses vamos receber a partir de março. Esta dificuldade a nível mundial, especialmente da Europa, de produção e distribuição, pode colocar em causa o processo de vacinação. Para eu vacinar 70% da população elegível, temos de vacinar 140 mil pessoas, ou seja, vamos precisar de 280 mil doses, isto falando-se das atuais vacinas, sabemos que haverá vacinas de apenas uma dose. Se nos chegar a AstraZeneca, como está previsto, e a Johnson& Johnson, que será apenas uma dose, isso poderá ser possível. Não depende da nossa logística nem do nosso querer – eu por mim vacinava todos já hoje – mas tem a ver com a distribuição das vacinas.A Madeira estará em condições para ter grandes eventos no verão, como os arraiais ou o Rali Vinho Madeira? Neste momento, tenho muita dificuldade em responder a isso. Vai depender muito da evolução do comportamento das pessoas e da vacinação. Afirmar agora que vamos ter grandes eventos era uma grande irresponsabilidade da minha parte.Os docentes e não docentes serão vacinados por altura da Páscoa?Se chegarem as vacinas que estamos à espera, eu penso que os docentes e não docentes que trabalham com crianças sem máscara, como as creches e pré-escolar, poderão ser vacinados. Serão cerca de quatro mil pessoas.Quem se segue em termos de prioridades no processo de vacinação?Temos várias prioridades. Praticamente o Sistema de Saúde e os lares estão vacinados, temos as áreas críticas que são importantes como o Porto Santo, em que já começamos. Queremos começar para a semana o pessoal que lida com resíduos sólidos, vamos manter as forças de segurança, proteção civil, forças armadas… estamos a tentar alargar o leque, mas trata-se de uma gestão quase ao minuto.As assistentes domiciliárias já estão a ser vacinadas?Já vacinamos cerca de 40% das ajudantes domiciliárias, ou seja, mais de 200.Há críticas de que a Saúde está atualmente focada na covid-19. Há doenças que estão a ficar para trás no tratamento/resposta devido ao coronavírus?Tudo o que são situações agudas estão a ser tratadas. Logo de início, tentamos uma atenção especial para as neoplasias, que são os cancros, para tratar o mais rápido possível. Quando o sistema fechou por causa da covid-19, pode ter havido uma décalage nesse tempo, mas nós estamos a tentar recuperar. No entanto, isso aconteceu em todo o mundo. Agora estamos a tentar alargar o leque para outras patologias. É a nossa missão porque de facto há muito mundo além da covid, embora o vírus esteja a consumir muitos dos nossos recursos.Estamos a recuperar nas várias áreas, mas vai ser um processo longo porque as doenças existem e as pessoas que deixaram de ir aos hospitais por receio da covid vão regressar.O sistema está preparado para isso? Os recursos humanos são suficientes?Tem de estar. Temos contratado muita gente e vamos contratar mais se for possível. Neste momento, temos o pessoal suficiente.Como tem sido, em termos pessoais, estar também na linha da frente, ainda mais com as responsabilidades que tem com diretor regional, no combate a esta pandemia?Tem sido um ano e um mês muito intenso, em que eu só penso nisto, só vivo isto. Às vezes, não sabemos qual o nosso sentido na vida, mas eu acho que me preparei para isto ao longo dos anos. Olhando para trás, todos os cursos que eu fiz até chegar aqui, têm agora sentido. Adoro a minha família, mas hoje em dia, além do bem-estar da minha família, eu só quero que a Madeira sobreviva. Eu tenho um espírito de missão que me foi ensinado pelo meu pai, um madeirense de gema. Vou dar tudo de mim para que a Madeira sobreviva. É o maior desafio da minha vida.