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Mar 4, 2021 - 8 minute read

Graça Freitas: Novas estirpes vão continuar a surgir

Diretora-Geral de Saúde explica ao JM como tem sido a luta contra o vírus em Portugal e alerta para novas estirpes. Valoriza a vacinação, reconhece que os cidadãos estão em fadiga pandémica, mas não duvida da eficácia do confinamento. E deixa um alerta: “Não podemos descuidar-nos com este vírus”. Maria da Graça Gregório de Freitas, 63 anos, é uma das figuras que mais foi vista nas casas dos portugueses no último ano. O protagonismo fica associado à luta contra o novo coronavírus em Portugal e ao cargo que ocupa como diretora-geral de Saúde.Licenciada em Medicina em 1980, fez-se cientista de reconhecido mérito. Desde o início da pandemia, ficou marcada pela serenidade das suas intervenções públicas e por reconhecer falhas associadas à dificuldade de enfrentar o desconhecido. Foi criticada por uns, aplaudida por muitos.Graça Freitas é neta de madeirenses, conhece a Madeira e ainda tem cá familiares. Em entrevista, por escrito, ao JM, evita comentar com detalhe as opções tomadas pelas autoridades de saúde regionais, mas diz que confia no que foi feito e na sociedade madeirense. E usa da mesma serenidade para dizer que não prevê o futuro nem sabe exatamente como será o desconfinamento. Mas sabe que não é possível relaxar, que há comportamentos que vieram para ficar e que novas estirpes vão continuar a surgir. Apesar de admitir que o país vive em “fadiga pandémica”, recomenda vigilância para evitar uma quarta onda. Um ano depois, como avalia a luta contra a pandemia em Portugal?Acho que foi um grande desafio para todos nós. Este desafio começou desde que soubemos da ocorrência de um novo vírus. A OMS teve conhecimento deste novo vírus através das autoridades chinesas e anunciou os primeiros casos no dia 31 de dezembro. Esta data é muito importante para a Madeira, já que estou a falar para um órgão de comunicação social da Madeira, porque é nesse dia que se comemora com grande tradição a passagem do ano. Quando pensávamos que tudo poderia estar a correr bem, de facto estava já a circular na espécie humana o vírus que viria a ser conhecido por SARS-CoV-2, que originou uma pandemia mundial, foi declarada como tal no dia 11 de março.Este ano foi muito desafiante, muito conturbado, muito difícil, porque houve de facto impacto da pandemia sobre a vida das pessoas, sobre a saúde das pessoas, sobre os serviços de saúde. Originou medo, doença, sofrimento, morte, e modificou irremediavelmente as nossas vidas durante todo o ano, praticamente. Continua ainda a alterar o nosso comportamento agora em 2021. De qualquer forma, creio que o sistema de saúde e a sociedade em geral tiveram capacidade de se organizar e de ir dando resposta, mas não podemos de facto esquecer que tivemos um final de ano e um princípio de ano muito difíceis. Tivemos uma epidemia muito intensa, com muitos casos, com uma dimensão que se calhar não imaginaríamos, mas isso só nos deve tornar mais humildes, ter de facto muito cuidado em relação a este vírus, que tem uma forma de propagação própria e que em qualquer altura, se nós baixarmos a guarda, pode atingir-nos de forma bastante intensa. Foi um ano difícil em todo o território nacional, sobretudo com uma terceira onda da pandemia, que estamos neste momento a descer. O que correu bem e o que poderia ter sido melhor?O que correu bem foi a capacidade que tivemos de reagir, apesar de tudo. O que poderia ter sido melhor foi uma conjugação de fatores, alguns que dependem de nós e outros que não dependem. Em dezembro e janeiro, sobretudo a conjugação de fatores como as novas variantes que começaram a circular, as temperaturas anormalmente baixas que se verificaram, que propiciaram também o desenvolvimento do vírus e, obviamente, o comportamento humano, porque nós temos alguma fadiga pandémica, alguma dificuldade em conseguir ao longo de tantos meses aderir a medidas que restringem os nossos contactos e a nossa liberdade de circulação. Mas temos de continuar com essa disciplina – a observar uma mobilidade menor, a conviver com menos pessoas, e mesmo nessas circunstâncias a ter o cuidado de manter distância física, usar máscara, cumprir as questões da higiene das mãos, o arejamento dos espaços, ou seja, a prevenção primária. Enquanto não tivermos imunidade suficiente, porque já temos uma vacina, e muitas pessoas ficaram com imunidade pelo menos até à data pela doença, temos de pensar em não baixar a guarda.Ou seja, houve coisas positivas, como a nossa resiliência, a capacidade de reorganizar os serviços de saúde, reorganizarmos a sociedade. As negativas, obviamente, foram a própria incidência e a própria mortalidade que advieram da pandemia e que nos levaram a um segundo confinamento, no qual nos encontramos até à data. A entrada em Portugal de novas estirpes pode obrigar a fechar ainda mais o país?A questão das novas estirpes é um desafio. Temos de as monitorizar, porque vão continuar a surgir. Vamos ter de nos habituar a isso. Algumas variantes resultam de uma série de mutações e vão substituindo outras, temos de ter sistemas de vigilância muito robustos e temos de estar preparados de facto para reforçar as medidas preventivas e de saúde pública, bem como o nosso comportamento do dia a dia. Não é uma questão só de encerrar fronteiras nem de espaços a fechar. Não temos a menor dúvida de que o confinamento resulta. Se se diminui a mobilidade e o número de contactos, obviamente os casos descem, a incidência reduz-se, tal como os internamentos e a mortalidade. Portanto, as novas variantes vão continuar a surgir. Fazem parte da natureza. Temos de as monitorizar, detetar, mas sobretudo de prevenir a transmissão até que estejamos vacinados. Para isso precisamos das medidas clássicas, não farmacológicas, e que todos conhecemos. Obviamente, somos humanos e tendemos às vezes a relaxar, mas não podemos descuidar-nos com este vírus.Acredita que Portugal tem condições para começar a desconfinar nos próximos meses? E como deve ser feito esse processo?O desconfinamento obviamente vai depender de como continuarmos a evoluir em relação ao número de casos, ao impacto desse número de casos nos internamentos, seja em enfermaria ou nas unidades de cuidados intensivos, mas também obviamente da mortalidade. A nossa primeira motivação para combater este vírus é salvar vidas, evitar sofrimento, evitar disfunção social. Portanto, esta é uma equação muito complexa, por isso é que se chama a esta epidemia uma sindemia, porque envolve questões sanitárias (da saúde), mas também questões sociais e económicas. E é do balanço e do equilíbrio destas questões todas que há de resultar, em seu devido tempo, quando a situação epidemiológica ou permitir, o começo do desconfinamento, que provavelmente será faseado. Mas ainda temos de aguardar. Ainda temos os indicadores numa fase que não nos permite relaxar. Vamos ver como continua a ser o comportamento da epidemia e as próximas semanas e veremos como se vai concretizar o desconfinamento. Interessa sempre recordar que quando desconfinarmos, isso não quer dizer que podemos relaxar nem arriscar termos uma quarta onda.Como acompanhou o processo de vacinação, marcado por algumas polémicas e atrasos?Creio que nós temos de ver o lado positivo das coisas. A vacinação é uma janela de esperança enorme e na maior parte das situações correu bem. E não é por casos que aconteceram, e que são lamentáveis, mas que de facto não correspondem à maioria dos casos, que nós podemos deixar de ter confiança num processo que é, de facto, o melhor processo possível no momento. É preventivo, para conseguirmos controlar um vírus que tem a possibilidade de transmitir como este e a possibilidade de provocar doença como este. Portanto, não podemos fixar-nos nas coisas que correram menos bem. Não podemos pactuar com elas, têm de ser obviamente corrigidas, observadas, auditadas, mas de qualquer maneira eu gostaria de olhar sempre para a vacinação como uma coisa positiva e uma grande oportunidade que temos de retomar um quotidiano mais normal.Considera que a vacina que está agora a ser distribuída deve integrar o plano normal de vacinação? E em que idades deve passar a ser aplicada?É muito precoce, neste momento não sabemos qual vai ser o comportamento desta vacina, nem na sua efetividade, no seu realO uso de máscaras, o álcool-gel e o distanciamento social são práticas que vieram para ficar?Talvez sim, talvez não. Depende de como é que vai evoluir esta epidemia, agora, são práticas de higiene boas, pelo menos a lavagem das mãos e de álcool-gel. Não me faz muita confusão que algumas culturas orientais e em determinadas circunstâncias, independentemente de estarem em epidemia ou não, existam pessoas que têm sintomas ou que saibam que podem estar a transmitir a doença e que utilizam uma máscara. Não tenho nada contra, há países onde o fazem por rotina. Agora, também não tenho capacidade para adivinhar o futuro e se estas práticas vieram ou não para ficar. Algumas são boas práticas de etiqueta respiratória e de higiene, por isso não vejo mal nisso.Acredita que a máscara tem evitado outras doenças?Qualquer método barreira que impeça uma maior transmissão de vírus que se transmitam como o coronavírus, através de contacto direto por via respiratória, via oral ou através de aerossóis, e sendo as máscaras uma barreira física, contribui para uma menor propagação da doença. No entanto, não dispensa outras medidas: em espaços interiores não se dispensa a ventilação, não se dispensa em qualquer circunstância o distanciamento físico, a higiene das mãos, entre outras medidas. Este vírus só se consegue controlar com medidas não farmacológicas, se estas medidas foram utilizadas em pacote e não individualmente.Ao longo dos últimos meses foi admirada por muitos e criticadas por outros. Como geriu esse processo ao nível profissional e pessoal?É inevitável. Quando se tem este grau de exposição é inevitável que isso aconteça. Portanto, geri esse processo com alguma naturalidade, com uns dias melhores, outros piores. Quero também aqui dizer que a maior parte das reações das pessoas tem sido positiva. Eu faço uma vida muito comedida em termos de exterior, mas quando saio à rua e as pessoas me reconhecem, são simpáticas.