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Mar 25, 2021 - 4 minute read

Funchal paga 100 mil euros pelo que Rigo teria feito por 38 mil

O ex-comissário Rigo 23 diz-se “usado” pela Câmara do Funchal e acredita ter caído numa “armadilha” que culminou com a entrega do processo de candidatura a Capital Europeia da Cultura à empresa APCA. O contrato é de 100 mil euros e dura 300 dias. A Câmara Municipal do Funchal assinou no início deste mês um contrato avulso com a empresa APCA - Agência de Promoção da Cultura Atlântica, no valor de quase 100 mil euros, a que acresce o IVA, para a prestação de serviços de coordenação da candidatura do Município do Funchal a Capital Europeia da Cultura 2027. O contrato foi assinado a 5 de março, antes de ser notícia a saída de Ringo 23 de comissário, e corresponde a quase o triplo do valor que o artista plástico tinha indicado para desenvolver a candidatura. Rigo 23 propôs 38 mil euros, valor que já incluía o seu salário de 1.500 euros mensais, mais 15 mil euros para a contratação de uma equipa e cinco mil euros para gastos de deslocações. Ontem, ao JM, o antigo comissário disse sentir que caiu numa “armadilha” que culminou com a entrega da candidatura do Funchal à APCA, uma empresa que tem como um dos seus representantes legais Maurício Marques, elemento que integrou a lista da Coligação Mudança, sendo um dos rostos da candidatura. Maurício Marques foi eleito nas autárquicas, mas acabou renunciando ao cargo a 22 de maio de 2014. “Parece” que o executivo municipal não está a seguir o lema da sua própria candidatura - “Ir mais além” -, quando contrata para gerir o processo “um colega de lista” eleitoral. “Não parece estar a ir muito longe, não é?”, sublinha o ex-comissário. Rigo 23 não quer especular por que motivo o Município do Funchal vai pagar quase 100 mil euros por um serviço que estava disposto a concretizar por um terço do valor, mas garante que com a sua proposta “dificilmente o Funchal ficaria excluído da fase seguinte”, onde serão escolhidas as três finalistas das atuais dez candidatas portuguesas. Rigo 23 conta que o convite para ser “o comissário” da candidatura partiu da vereadora Madalena Nunes e do presidente Miguel Silva Gouveia e que agora, depois do volta-face que diz ter vivido, se sente “usado”. “Eu antes resistia a usar a palavra ‘usado’, mas agora eu acho que me sinto usado”, refere. “Pareceu-me que convidar um artista contemporâneo para ser comissário de uma candidatura, que aliás foi notícia nacional, era uma opção de consciência; que tinham claramente a noção de que queriam marcar a diferença e assumir que iam escolher não uma empresa de gestão cultural, mas um artista plástico contemporâneo”, adianta. Na preparação que fez para o desempenho da função, o artista chegou a reunir-se com pessoas envolvidas no projeto Lisboa Capital Ibero-Americana da Cultura 2017, a fim de saber exatamente o papel que o comissário desenvolve numa iniciativa desta natureza e os custos associados. Depois, quando voltou a reunir-se com a câmara e apresentou o valor dos 38 mil euros, a 15 de janeiro, foi-lhe dito que o entendimento que fazia do “papel de comissário estava correto”, mas que não era isso que pretendiam dele, e que haveria uma adjudicação pública para a candidatura. Aí percebeu que não “queriam muito” dele, apenas “que desse o nome para apoiar a candidatura e pouco mais”. “Naquele momento eu compreendi que não fazia sentido eu ali estar”, conta. Recorde-se, por seu turno, que a notícia da saída de cena de Rigo 23 motivou um comunicado da Câmara Municipal do Funchal, onde o município explicou que tinha havido uma dissonância entre a visão de Rigo 23 e aquela que a CMF lhe tinha proposto, “uma vez que o artista em causa pretendia prestar serviços de coordenação da candidatura e criar uma equipa para o efeito, o que nunca esteve em cima da mesa, nem fez parte do convite efetuado pela autarquia”. De acrescentar, ainda, que o contrato assinado no início deste mês entre a Câmara Municipal do Funchal e a APCA é no valor de 99.160 euros, mais IVA, e termina no prazo de 300 dias. A empresa compromete-se a elaborar o plano de ação e a versão pré-final do plano de ação, bem como o dossiê de candidatura e a entrega do dossiê final. A candidatura tem de ter um programa cultural com uma forte dimensão europeia e ser apresentada em português e inglês. Orlando Fernandes pede explicações O deputado municipal independente Orlando Fernandes quer esclarecimentos do executivo da Câmara Municipal do Funchal relativamente ao projeto de candidatura da cidade a Capital Europeia da Cultura 2027. “Um projeto que começa torto, logo de início, e envolto já em contradições e nomeações e desnomeações e outras trapalhadas que tais pode, à partida não correr da melhor forma”, referiu, ontem, em comunicado. O deputado questionou ainda o edil sobre o papel de “uma entidade privada” que se tem reunido com agentes culturais, uma vez que “até agora o executivo ainda não procedeu a qualquer nomeação pública da entidade gestora do projeto”.