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Mar 3, 2021 - 5 minute read

Crise pode deixar cicatrizes profundas e duradouras sobretudo nos mais jovens

A economista Susana Peralta defendeu que a crise pandémica deixará “cicatrizes profundas e difíceis de sarar” que afetarão particularmente os jovens e olha para o Plano de Recuperação e Resiliência como uma resposta insuficiente que não resolve problemas imediatos. “Uma das coisas piores da perspetiva do que vai ser esta crise é o que estamos a fazer aos jovens e às crianças. Sabemos que os jovens que entram no mercado de trabalho num período de crise, enfim, há cicatrizes que perduram no tempo. O facto de esta crise estar a bater muito à porta dos jovens sob muitos pontos de vista – isolamento, não haver perspetivas de emigração, saúde mental, escolaridade, entrada no mercado de trabalho – é algo que nos pode deixar cicatrizes que nos vão custar muito a médio e longo prazo”, disse a economista.

Susana Peralta falava à Lusa a propósito do relatório “Portugal, Balanço Social 2020 – Um retrato do país e dos efeitos da pandemia”, da faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, a NOVA SBE, produzido pela economista e professora da instituição em coautoria com Bruno P. Carvalho e Mariana Esteves, que hoje é apresentado publicamente.

Neste relatório faz-se uma “análise exploratória”, segundo a economista, sobre as consequências da pandemia em Portugal, desde o início até setembro de 2020, ressalvando que não existem ainda dados estatísticos que permitam uma análise mais consolidada.

A autora do estudo referiu que esta crise é ainda mais assimétrica nos seus efeitos, incindindo particularmente sobre “franjas mais frágeis” da população, como os trabalhadores precários e com salários baixos que perderam o emprego de imediato, sobretudo nos casos associados ao turismo.

Será o caso dos jovens, muitos deles há pouco tempo no mercado de trabalho, com baixos salários e por vezes baixas qualificações, o que os limita na capacidade de encontrar alternativas, até mesmo na emigração, sublinhou Susana Peralta.

O relatório aponta que, no âmbito da pandemia, “o trabalho foi das esferas da vida mais afetadas pela pandemia e os mais vulneráveis, com menos rendimentos, com menos escolaridade ou em situações laborais mais precárias foram os mais afetados”.

As diferenças são evidentes também em termos de teletrabalho, com dados que indicam que apenas 8% dos inquiridos num estudo do ISCTE citado no relatório com escolaridade até ao 3.º ciclo ficaram em teletrabalho, contra 56% de inquiridos com o ensino superior, o que assumindo que as maiores qualificações se associam salários mais elevados, se traduz na conclusão apresentada: “Os mais pobres são os que perderam mais rendimento disponível”.

Numa entrevista recente ao jornal Inevitável, Susana Peralta defendeu que a “burguesia do teletrabalho” deve ajudar a pagar a crise, com um imposto extraordinário sobre quem não perdeu rendimentos, sejam eles de trabalho ou de capital. À Lusa reafirmou a ideia, que não foi apenas enunciada por si, reivindicou a expressão na qual, sublinhou, também se inclui, e defendeu uma atitude solidária face aos que pela perda de rendimentos já estão a pagar um imposto pelo “bem comum” da sociedade.

“Se coletivamente entendermos, como a mim me parece que seria o único passo decente, que temos que compensar essas pessoas, depois temos que ver como as compensamos”, disse Susana Peralta.

Encontrar dinheiro para essa compensação passa por três possibilidades: aumentar a dívida pública, e a economista defende que isso devia ter acontecido; realocar dinheiro afeto a outras despesas públicas, como a injeção na TAP para salvar a empresa, o que critica; ou criar um imposto sobre quem não perdeu dinheiro, defendendo que “não há outra maneira de ir buscar dinheiro”.

“A decisão é do Governo e terá que ser responsabilizado politicamente por essa decisão. Agora, uma coisa é certa, nós temos que decidir se queremos ou não queremos compensar as pessoas que têm perdido com esta crise, que estão a pagar um imposto e nunca ninguém lhes pediu opinião e que também se devem sentir terrivelmente injustiçadas. Muitas delas estão sem dinheiro para pagar as contas e a fazer fila naqueles sítios para ter comida gratuita, que é o momento mais trágico e o maior falhanço de um Estado social”, disse.

Como resposta à crise, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) “não é assim tanto”, referindo que representa um montante de cerca de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) a ser gasto nos próximos cinco anos, mas que aliado a outras verbas, como as do quadro financeiro plurianual de verbas comunitárias, pode permitir chegar a “uma soma que seja consequente”.

O maior problema do PRR, do ponto de vista da economista, é ser um programa de resposta à pandemia que não resolve os problemas imediatos das pessoas, que rapidamente se vão confrontar, por exemplo, com o fim das moratórias.

“As pessoas estão a precisar de pagar as contas agora. Há coisas que podemos adiar, há coisas que o mercado de crédito nos permite resolver, mas não posso viver hoje da comida que vou comer daqui a dois anos. As pessoas precisam de pagar as contas, de água a correr nas torneiras e de eletricidade em casa e precisam de uma casa”, disse.

Junta-se a isto o facto de não incluir nenhum plano de recuperação de aprendizagens para as crianças que perderam quase dois anos letivos.

“Se eu lá visse um terço daquilo para gastar em recuperação de aprendizagens desta geração que estamos a deixar cruelmente para trás e só lhes vamos deixar é dívida para pagar, se eu visse isso já achava que aquilo era extraordinário. Nem isso lá vejo, estão lá 500 milhões [de euros] para comprar computadores”, disse, pedindo um plano que meta “muito dinheiro” e “muitos professores” nas escolas.