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Mar 22, 2021 - 12 minute read

Autonomia fiscal: do entusiamo à perda de receita

A transformação da Madeira numa Região de baixa fiscalidade voltou recentemente à ribalta e tem gerado intenso debate, depois do ex-secretário regional das Finanças, Rui Gonçalves, defender a ideia no Parlamento da Madeira. A proposta vai ao encontro ao conceito lançado, em 2016, pelo então vice-presidente da Assembleia legislativa da Madeira, Miguel Sousa, com base na autonomia fiscal do arquipélago, mas será exequível e o que é implica? Para responder a esta pergunta, o JM-Madeira ouviu os partidos com assento parlamentar na Assembleia da República (AR) e a Câmara de Comércio e Indústria. Tanto a ACIF como Carlos Pereira, vice presidente do Grupo Parlamentar do PS em São Bento, duvidam da possibilidade de execução da proposta nos próximos anos, já Paulo Neves, deputado do PSD no Parlamento nacional, insiste que o essencial é a Madeira ser mais competitiva do ponto de vista fiscal.Subjacente à proposta de Rui Gonçalves está a máxima da autonomia fiscal para a Madeira que levanta, para além das dificuldades inerentes ao obter de um consenso nacional, a questão da perda de receitas ao abrigo das transferências do Orçamento de Estado (OE) para a Região.

Para Jorge Veiga França, presidente da ACIF, a autonomia fiscal deve ser um objetivo de longo prazo, mas está “fora de contexto e é inatingível” nos próximos anos, não sendo viável enquanto a Região não conseguir reunir politicamente o consenso das forças nacionais dominantes que permitam à maioria do Parlamento alterar a Constituição da República. “A ideia de assegurar mais autonomia ao sistema fiscal da Região é um objetivo que não deve ser negligenciado, mas não é o desígnio. O desígnio é caminhar para a autonomia plena”, acrescenta

Carlos Pereira. Às dificuldades na obtenção de um consenso regional sobre esta matéria, o deputado socialista junta outras questões como a inexistência de trabalhos académicos ou grupos de trabalho sobre o tema e que identifiquem argumentos que solidifiquem a visão estratégica de um novo modelo económico que conta com um sistema fiscal próprio.

“Não basta uma maioria na Assembleia Legislativa da Madeira. É preciso gerar a consciência coletiva em prol deste objetivo (…) Precisamos de desenhar os cenários concretos com as variáveis realistas para justificar esta opção estratégica”, defende, considerando que “os cidadãos têm o direito de decidir em consciência” e que “esse debate não está a ser feito na Região”.

Perda de receita

Ser fiscalmente autónoma implica, no entender de Jorge Veiga França, que a Região consiga sobreviver sem as transferências do Orçamento de Estado.

“Isto não é claramente exequível no futuro mais imediato. Ou mesmo, sejamos razoáveis, a médio prazo. O melhor é olharmos para o que temos e que é a Zona Franca e uma lei das finanças regionais e para o que, com o que têm de bom ou de menos bom, nos permitem fazer para conseguirmos aproximar-nos do que aspiramos”, alerta o líder da ACIF.A redução das receitas fiscais, no IRC sobretudo, nos primeiros anos de vigência de um regime de baixa tributação é uma das desvantagens que se afiguram no modelo proposto por Rui Gonçalves.

“Aceitando que o sucesso deste modelo está assegurado, a transição não é imediata, por isso é preciso negociar com o estado uma fase de transição em que as receitas alcancem, pelo menos, a média dos três melhores anos da região”, observa o socialista Carlos Pereira.

Por outro lado, declara o parlamentar, “uma negociação para ser firme e bem-sucedida não pode deixar de integrar a ideia que não há retorno, caso tudo falhe”, sendo “uma negociação de tudo ou nada”. “Já estamos em condições de colocar essa decisão em cima da mesa?”, questiona.

 

A morte do CINM?

A proposta apresentada por Rui Gonçalves implica, sublinha Carlos Pereira, “matar o CINM em definitivo” e repensar as proclamações sobre a Lei de Finanças Regionais e a sua hipotética revisão neste objetivo.

“Quanto ao CINM, assumir este caminho é o mesmo que decretar a sua morte, pelo que todos os cuidados são poucos, tendo em conta as crescentes dificuldades da sua defesa no panorama nacional e europeu”, avisa, lembrando que há no plano nacional “uma intoxicação sobre as questões da zona franca que foram penalizadas por erros primários e grosseiros de comunicação, mas também por uma insuficiente visão integrada do seu contributo para o desenvolvimento regional desde a sua criação”.

Carlos Pereira considera ainda que com “a exigência de imposto de 5% de IRC a zona franca pouco ultrapassa as 1600 empresas, pelo que é preciso realismo nos cenários que possam surgir, sobretudo numa altura de grande concorrência internacional mas também de restrições à fiscalidade diferenciada, pelo menos no quadro da OCDE”.

Também para a ACIF, seria mais viável neste momento insistir na negociação da extensão da autorização à entrada de novas empresas do que num regime de baixa tributação. Jorge Veiga França lembra que a revisão da lei do estatuto dos benefícios fiscais tornou-se necessária para que, “face aos ataques injustos que lhe foram dirigidos nos últimos anos, se clarificassem alguns aspetos respeitantes aos requisitos aplicáveis às entidades licenciadas”.

O líder da ACIF acredita que algumas questões estão prestes a ser ultrapassadas com “a aprovação expetável de uma proposta de lei revista que seja aprovada até ao final do corrente mês no parlamento nacional para que se possam licenciar com estabilidade novas licenças e que permita também que se inicie sem demoras as negociações do novo regime (V) fiscal do Centro Internacional de Negócios da Madeira, aplicável para além do universo temporal de 2027”. Ou então, acrescenta, com a viabilização do novo estatuto que, no âmbito das RUP, evite o tratamento discriminatório e negativo no âmbito da UE.

 

ACIF apresenta alternativas para evitar negociações longas e difíceis

Jorge Veiga França, presidente da ACIF, recorda a posição de António Lobo Xavier a propósito da ideia de um regime de baixa tributação defendido por Miguel Sousa. O conselheiro de Estado e advogado defendia, na altura, que face às longas e difíceis negociações que a Região teria de enfrentar junto das instâncias comunitárias, o ideal seria aproveitar o que já conquistou e usar a fiscalidade para alcançar outras mais-valias, nomeadamente no âmbito do estatuto de Região Ultraperiférica (RUP) europeia.

A redução de 30% da taxa de IRC, contemplada no Orçamento Regional e defendida pela ACIF, prevê já, frisa Veiga França, uma taxa de 14,7% aplicável este ano.

“Esperamos que seja reconduzida por mais alguns orçamentos regionais até que estejamos todos – a Região, o País, como estado-membro, e a EU - preparados para passar a descriminar positivamente as RUP”, declara.

No âmbito do que a EU tem defendido para uma verdadeira coesão económica, o líder da ACIF defende um sistema híbrido que mitigue a atividade económica madeirense no universo nacional e de regime geral, com a  possibilidade de licenciamento no âmbito da Zona Franca ou do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM) no que diz respeito às atividades internacionais.

“Isto é algo de muito possível, desde que contabilisticamente as operações estejam bem demarcadas. Num âmbito, estamos a falar de uma taxa de 14,7% e no outro – no que concerne às atividades internacionais – de 5%”, diz.

Mitigando a realidade de cada empresa entre o mercado nacional e o internacional, estaremos a falar, explica o líder da ACIF, numa tributação a uma taxa híbrida bem inferior à de 14,7% já aplicável este ano.

Depois, ao abrigo do estatuto descriminado positivamente de RUP, se a Madeira considerar uma redução da matéria coletável para todas as empresas regionais que assegurem o cumprimento de certos requisitos – como a transição climática, digital ou as novas tecnologias entre outros preceitos -, pode “introduzir algumas reduções visíveis dessa base tributável desde que aplicáveis concomitantemente antes da aplicação do imposto”.

“E daí conseguirmos competir com praças congéneres fortemente concorrentes, mesmo sem sermos, entretanto, fiscalmente autónomos”, acredita o gestor.

Paralelamente, a ACIF tem também defendido que, na esfera da tributação da pessoa física, se estudem e criem regimes como o de residente não habitual vigente no país, mas adaptado à Região e aos seus objetivos.

“Nesta fase de análise deste projeto que entendemos levar avante conjuntamente com o Governo Regional, se este mantiver por diante a abertura demonstrada até hoje para isso”, refere Jorge Veiga França.

 

LFR é uma oportunidade única e o consenso “está a ser tratado”

Deputado eleito pelo PSD-Madeira à Assembleia da República, Paulo Neves, não tem dúvidas de que a discussão em curso sobre a alteração à Lei das Finanças Regionais (LFR) constitui a oportunidade perfeita para a Madeira se unir e obter uma proposta forte no que à LFR concerne.

Recorde-se que a proposta apresentada pelo ex-secretário Rui Gonçalves para a criação de uma zona de baixa tributação implicaria uma plataforma de entendimento político, eventualmente no âmbito da revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónoma.

“Existe uma concordância entre os partidos na Assembleia Legislativa Regional para enviar uma proposta à Assembleia da República e isso é positivo. Esse consenso está a ser tratado na Assembleia e penso que é consensual na Madeira. Se a LFR vier para a Assembleia da República através de um consenso, terá muita força”, assevera Paulo Neves.

Esta ideia de consenso enquadra-se também em declarações de Paulo Cafofo sobre o empenho do PS em reforçar a autonomia e viabilizar o entendimento sobre revisão da Lei das Finanças Regionais. Em fevereiro, o líder do PS desafiou o presidente do Governo Regional a construir uma base de entendimento e Miguel Albuquerque aceitou.

Paulo Neves escusa-se a tecer comentários sobre a proposta de Rui Gonçalves, considerando que o essencial para a Madeira é ser competitiva do ponto de vista fiscal. Ser uma ilha tem vantagens, mas acarreta o problema da dimensão e implica ser criativo no desenvolvimento de soluções que atraiam mais rendimento, diz.

“Acho que se deve e se pode estudar todas as alternativas”, afirma.

O deputado insiste, contudo, na ideia que o PSD vai sempre defender o Centro Internacional de Negócios (CINM). “Não podemos é aceitar que se transforme num centrozinho. Todas as ilhas têm benefícios fiscais porque não têm dimensão económica. Os incentivos fiscais são o caminho para atrair investimento”, exclama.

Para o parlamentar social-democrata, é importante que o País perceba que o CINM beneficia Portugal como um todo e que se as empresas abandonarem a Zona Franca todo o território nacional estará a perder investimento, contra as ideias propagadas pela extrema esquerda  que “detesta o enriquecimento”.

“O problema é quando nos deparamos com um PS que pode estar refém da extrema esquerda”, remata.

 

Ex-secretário aponta região de baixa fiscalidade como alternativa

O ex-secretário regional das Finanças considera que o desfecho da investigação ao Regime III cuja decisão foi conhecida em dezembro de 2020 coartou a competitividade do Centro Internacional de Negócios. Rui Gonçalves defende por isso uma alternativa que passa pela aplicação de um regime de baixa tributação na Região Autónoma da Madeira.

Rui Gonçalves foi ouvido, na passada semana, no Parlamento  sobre a concessão por ajuste direto da Zona Franca à Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, garantindo que esta operação foi “transparente” e sem prejuízo para o erário público.

Na altura, o antigo governante considerou que o facto de a Comissão Europeia considerar que os benefícios fiscais apenas se podem aplicar aos lucros resultantes de atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira e que terá de existir uma ligação direta entre o montante do auxílio e a criação e manutenção de emprego efetivo na Madeira retira competitividade à Zona Franca.

Por outro lado, vincou, o Regime IV termina em 2027, sem possibilidade de entrada de novas empresas desde o final de 2020, embora seja possível a extensão da autorização até 2021, possibilidade atualmente em discussão na Assembleia da República. A isso, junta-se a investigação em curso que adiou as negociações para a aprovação de um possível Regime V e que, a ser implementado, não garante competitividade suficiente para captar empresas para a Região.

Perante este cenário, Rui Gonçalves acredita que as receitas provenientes do CINM vão deixar de existir depois de 2027 e que os efeitos ao nível do emprego vão se fazer sentir à medida que as empresas se deslocalizarem para outras praças concorrentes, “correndo-se o risco, com o cenário atual, de a 1 de janeiro de 2028 não restar nenhuma empresa na Região”.

E neste contexto que o antigo titular da pasta das Finanças defende um regime de baixa tributação na Região como a única solução - face à alternativa de impossibilidade de aprovação de um Regime V ou deste regime não garantir um nível mínimo de competitividade – para evitar a incerteza quanto ao futuro do CINM, sobretudo após 2027.

 

O que é que implica a proposta de Rui Gonçalves?

  • Construção de um consenso alargado na Região à volta desta solução, tanto ao nível político como do tecido empresarial;

  • Abertura das autarquias locais para a definição de um modelo que contenha benefícios fiscais associados a receitas fiscais municipais;

  • Criação de uma plataforma de entendimento com o Governo da República na definição das diretrizes para avanço do processo;

  • Continuidade do processo nível técnico, eventualmente no âmbito da revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas;

  • Criação de um grupo técnico para assegurar todos os procedimentos necessários junto dos serviços da Comissão Europeia;

  • Depois de finalizado o processo técnico e negocial com o Governo da República e com a Comissão Europeia, seria ainda necessário a aprovação do novo modelo pela Assembleia da República.

 

Fatores desfavoráveis

  • Redução das receitas fiscais (IRC, sobretudo) nos primeiros anos de vigência de um regime de baixa tributação.

  • O distanciamento político com o Governo da República pode dificultar processo que exigirá também negociações com a Comissão Europeia;

  • Necessidade de abertura da Assembleia da República para aprovar esta solução que terá de passar, na melhor das hipóteses, pela aprovação de uma alteração à Lei de Finanças das Regiões Autónomas;

  • O posicionamento do Governo Regional dos Açores poderá bloquear a solução;

  • A pressão orçamental decorrente da crise provocada pela COVID-19, que pode reduzir a margem para uma diminuição mais acentuada das taxas.

Pontos a favor

  • O processo de apresentação de uma proposta de revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas (LFRA), em curso no Parlamento da Madeira, pode vir a reunir o consenso dos vários partidos políticos da Região;

  • O processo de apresentação de uma proposta de revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas (LFRA), em curso no Parlamento da Madeira, pode vir a reunir o consenso dos vários partidos políticos da Região;

  • O bom relacionamento institucional entre os Governos Regionais da Madeira e dos Açores poderá ajudar no processo;

  • O fim das concessões da Vialitoral, em 2024, e da Viaexpresso, em 2029, vai libertar fundos, comparativamente aos encargos de 2021, na ordem dos 25 milhões de euros por ano a partir de 2025,  dos 31 milhões de euros a partir de 2027 e dos 56,5 milhões de euros a partir de 2029 .