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Mar 8, 2021 - 4 minute read

António Guterres diz que a crise da pandemia tem rosto de mulher

O secretário-geral da ONU defendeu que a pandemia está a exacerbar as desigualdades de género, que as disparidades salariais entre homens e mulheres aumentaram e considera que o processo de recuperação é uma oportunidade para reverter a situação. Num artigo publicado no jornal Público a propósito do Dia Internacional da Mulher, que se assinala hoje, António Guterres escreveu que a pandemia está a eliminar anos de progresso em direção à igualdade de género, sublinhando que as mulheres “têm maior probabilidade de trabalhar nos setores mais afetados”.

“A maioria dos trabalhadores de serviços essenciais, na linha da frente do combate à pandemia, são mulheres — muitas delas oriundas de grupos racialmente e etnicamente marginalizados e com baixos níveis de rendimento”, sublinhou Guterres.

Neste artigo, o governante recordou que as mulheres são “24% mais vulneráveis à perda de emprego” e “sofrem quedas mais acentuadas de rendimentos”, apontando que “as disparidades salariais entre homens e mulheres, já elevadas, aumentaram, inclusive no setor da saúde”.

“A prestação de cuidados não renumerada aumentou drasticamente devido a medidas de confinamento e ao fecho de escolas e creches. Milhões de meninas poderão nunca mais voltar à escola”, escreveu o secretário-geral da ONU, frisando que as mães — especialmente as mães solteiras — “enfrentam sérias adversidades e sentem elevados níveis de ansiedade”.

O ex-primeiro-ministro português defendeu também que a pandemia desencadeou “uma epidemia global paralela de violência contra as mulheres em todo o mundo”, com um aumento significativo de casos de violência doméstica, tráfico, exploração sexual e casamento infantil e que o mundo precisa de “um novo estímulo à promoção da liderança feminina e da participação igualitária”.

O secretário-geral das Nações Unidas mais disse que a resposta à covid-19 evidenciou “o poder e a eficácia da liderança feminina” e lembra que, no ano passado, os países com líderes femininas tiveram taxas de transmissão mais baixas e estão, na sua maioria, “mais bem posicionados para recuperar desta pandemia”.

“As organizações femininas preencheram lacunas cruciais no fornecimento de serviços e informações essenciais, especialmente ao nível comunitário”, defendeu Guterres, sublinhando que quando as mulheres lideram governos se assiste a “maiores investimentos na proteção social e avanços mais significativos contra a pobreza”.

“Quando as mulheres estão no Parlamento, os países adotam políticas mais eficazes de combate às alterações climáticas. Quando as mulheres negoceiam a paz, os acordos são mais duradouros”, exemplificou.

No entanto, sublinhou, a nível global, as mulheres representam apenas um quarto dos legisladores nacionais, um terço dos autarcas e apenas um quinto dos ministros. “A este ritmo, a igualdade de género não será alcançada nos sistemas políticos nacionais antes de 2063. A paridade entre chefes de Estado levará mais de um século”, referiu Guterres, dizendo orgulho de ter alcançado “a igualdade de género nas posições de liderança das Nações Unidas”, reiterou, acrescentando que o processo de recuperação da pandemia é “a oportunidade de traçar um novo caminho mais igualitário” e que as ajudas à recuperação “deverão ser especialmente direcionadas a meninas e mulheres, inclusive por meio de investimentos em infraestruturas associadas à prestação de cuidados”.

“A economia formal só funciona porque é subsidiada pelo trabalho feminino não remunerado”, escreveu Guterres, apelando aos líderes mundiais que atuem em seis áreas estruturais.

A representação igualitária, por meio de quotas e outras medidas especiais, o investimento na economia da prestação de cuidados e na proteção social e a redefinição do produto interno bruto de forma a incluir o trabalho doméstico, assim como a remoção de barreiras à inclusão plena das mulheres na economia são algumas das áreas apontadas.

António Guterres defendeu ainda a revogação das leis discriminatórias em todas as esferas e a promulgação, por cada país, de um plano de emergência de combate à violência contra mulheres e meninas, seguido de financiamento, legislação e “vontade política para acabar com este flagelo”.

Por último, o secretário-geral das Nações Unidas pediu uma mudança de mentalidade, o aumento da consciencialização pública e que se acabe com “o preconceito sistémico de género”.

“O mundo tem a oportunidade de deixar para trás gerações de discriminação enraizada e sistémica. É hora de construir um futuro igualitário”, concluiu.