madeira news

Feb 10, 2021 - 6 minute read

Ambientalistas encaram o encerramento da Petrogal com “otimismo desconfiado”

Ambientalistas e investigadores de associações nacionais e locais encaram o encerramento da Petrogal em Matosinhos com um “otimismo desconfiado” sobre qual o futuro dos terrenos usados pela Galp durante várias décadas e pedem respostas que não abandonem os trabalhadores. “Ainda há alguns negacionistas das alterações climáticas, mas na generalidade o que se pretende é a substituição dos combustíveis fósseis por energias renováveis. Esse passo é positivo”, disse Pedro Santos que coordenada o Grupo de Trabalho sobre a Exploração de Recursos Minerais da Quercus.

À Lusa, o coordenador conta que a Quercus já debateu internamente o anúncio que a Galp fez em dezembro, mas ainda não tomou uma posição pública porque “antes importa perceber quais os passos seguintes”, uma indefinição que também justifica o “otimismo desconfiado” do presidente da Associação Década Reversível (ADERE), uma associação ambientalista com sede em Matosinhos, Humberto Silva, ou de dirigentes associativos da Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade (FAPAS) e da Campo Aberto, cuja principal intervenção tem ocorrido no Grande Porto.

“Temos de avaliar se o fecho desta refinaria se irá refletir num impacto maior noutro lado porque se a transição do impacto é de Matosinhos para Sines, Matosinhos fica a ganhar, mas Portugal perde ambientalmente”, disse Humberto Silva.

O presidente da ADERE considera que “cabe a todos dar mais explicações”, a começar pela empresa, passando pela tutela e pelas autoridades locais porque, diz à Lusa, “rumores não chegam”.

Entre os tais “rumores” a que se refere o dirigente, está a reconversão da Petrogal numa refinaria de lítio, cenário abordado sempre através de frases que contém palavras como “eventualmente” ou “talvez” até porque a 29 de dezembro José Carlos Silva, responsável pela Galp participou numa reunião pública do executivo de Matosinhos e garantiu: “Não há nenhum projeto de refinação de lítio para Matosinhos”.

No entanto, a 08 de janeiro, o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, que já antes tinha manifestado interesse que a refinaria de Matosinhos faça parte do plano de transição energética que Portugal está a traçar, disse, no final de uma reunião com estruturas sindicais dos trabalhadores, “querer muito que no Portugal venha a ter uma refinaria de lítio, havendo já muitos municípios dispostos a acolhê-la”.

“Esta possível transição para refinaria de lítio em comparação com a refinaria do combustível fóssil é mais amiga do ambiente, nomeadamente em termos de emissão de gases e de contaminação dos solos que é um problema grave associado ao petróleo. Em termos comparativos penso que Matosinhos fica a ganhar ambientalmente. Em termos efetivos, falta esclarecer os impactos”, analisa o presidente da ADERE.

Mas à semelhança de Humberto Silva, também Pedro Santos faz ressalvas sobre o que se sabe até hoje sobre a “indústria nova” do lítio sobre a qual a Quercus “ainda está a recolher informações”.

E foi isso que o coordenador do Grupo de Trabalho sobre a Exploração de Recursos Minerais disse à Câmara Municipal de Matosinhos, no distrito do Porto, quando foi contactado por esta recentemente e exatamente a propósito da mesma questão.

“Ficamos honrados com o contacto e explicamos que estamos a reunir material. Queriam informações sobre refinarias de lítio”, conta Pedro Santos, para quem o ponto “positivo” de uma “eventual instalação” está na “diminuição da refinação de produtos petrolíferos e produtos fósseis”.

“Esse é o aspeto mais relevante a retirar daqui. A efetivação de uma transição que se quer que seja para combustíveis verdes”, sintetiza.

Outro dos temas que une os ambientalistas é a questão dos trabalhadores que são 500 diretos e 1.000 indiretos, segundo estimativas dos sindicatos.

“Pretende-se que essa transição seja feita respeitando os acordos laborais e os direitos dos trabalhadores de forma a ser-lhes proporcionado a eles também um desempenho em funções verdes”, argumenta Pedro Santos.

Humberto Silva (ADERE) concorda. E Nuno Oliveira (FAPAS) e José Carlos Costa Marques (Campo Aberto), vão mais longe e juntam às preocupações sociais, as preocupações com os ecossistemas.

“Não basta invocar a necessidade da transição energética, é necessário ter em conta o respeito pela biodiversidade, tema de pelo menos igual importância ao da crise climática – e com ela interligada, uma são a outra e vice-versa –, pelos ecossistemas, pelo património rural e paisagístico, pelos valores ecológicos, e pelos direitos humanos e sociais”, argumenta o presidente da Campo Aberto.

José Carlos Costa Marques defende que “a questão ambiental não pode desligar-se da questão social” e que “nenhuma solução ambiental deverá deixar de ser acompanhada pelo respeito pela situação das pessoas envolvidas”, falando em “direitos jurídicos e morais reclamados pelos trabalhadores afetados”.

“Aliás, para atingir os objetivos ambientais é necessário que a população verifique que tal não é feito no desrespeito dos seus direitos sociais e legítimas expectativas”, frisa Costa Marques, indo ao encontro do que a FAPAS coloca à cabeça da posição que tornou pública a 05 de fevereiro quando desejou que “seja acautelado o efeito [que o encerramento] poderá ter na vida dos trabalhadores e suas famílias”.

A FAPAS não esquece também “o tecido económico no Norte de Portugal, não apenas em combustíveis, mas noutros produtos da Galp e ainda [o impacto do fecho] nas receitas do Porto de Leixões”, e frisa que não pode ser esquecida “a necessidade de minimizar e compensar o passivo ambiental”.

“E continuar a dar ao espaço um uso industrial é só prolongar os problemas”, disse à Lusa o presidente da FAPAS, Nuno Oliveira, defendendo que “um excelente destino para os 200 hectares seria a sua reabilitação e transformação numa área protegida, com uma forte componente de lazer e educação ambiental”.

Por último, mas também a convergir, as associações ambientais querem que seja assegurada a descontaminação dos terrenos com a Campo Aberto a defender que, após esse trabalho, os terrenos “não devem ser utilizados para novas atividades industriais potencialmente tão poluentes como as anteriores” e a Quercus a exigir análises.

“Aquela superfície necessita de uma atenção especial no que diz respeito a eventuais contaminações muito prováveis pelo uso que teve até agora. É necessária uma análise aos solos para aferir o nível de contaminação, qual a extensão dessa contaminação e a sua remoção e tratamento conveniente que terá de ficar a cargo da empresa que ocupou o terreno até agora”, conclui Pedro Santos.

A Galp anunciou em dezembro de 2020 a intenção de concentrar as suas operações de refinação e desenvolvimentos futuros no complexo de Sines e descontinuar a refinação em Matosinhos este ano.

Na quinta-feira, em resposta à agência Lusa sobre eventuais questões ambientais espoletadas pela cessação da atividade de refinação de crude, como a descontaminação de solos, o Ministério do Ambiente referiu que zelará pelo rigoroso cumprimento da legislação aplicável.

Por sua vez, a Câmara Municipal de Matosinhos criou um grupo de trabalho especializado e um conselho consultivo para avaliar e refletir sobre o anunciado encerramento.