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Apr 11, 2021 - 5 minute read

“A verdade é que há ali quem recebeu dinheiro sem razão”

Ricardo Vieira relembrou que a decisão instrutória não é a decisão final e que o Ministério Público 
precisa de esclarecer a forma como conduziu a fase de inquérito. OPERAÇÃO MARQUÊS O país parou esta sexta-feira para ouvir a leitura da decisão da instrução do juiz Ivo Rosa acerca da Operação Marquês, decisão a qual gerou, desde o primeiro minuto, muita controvérsia. De facto, dos 189 crimes que constavam na acusação do Ministério Público (MP), apenas 17 vão a julgamento, distribuídos por cinco dos 28 arguidos, tendo ‘caído’ as principais acusações, como as de corrupção passiva, de que o ex-primeiro-ministro José Sócrates e outros arguidos eram acusados. Numa espécie de rescaldo do que fora conhecido no dia anterior, Ricardo Vieira, advogado madeirense, considerou, em declarações ao JM, que a imagem que fica da justiça portuguesa depois desta decisão instrutória “não é boa”. No entanto, e reconhecendo a indignação que se tem feito sentir entre a população, o responsável fez questão de sublinhar que as decisões anunciadas são apenas a fase final do processo de instrução e que se tratam somente de uma decisão no meio de um longo procedimento, não estando nada decidido definitivamente. “[A decisão] pode, e é o que vai acontecer, ser objeto de recurso. O Tribunal da Relação vai ser chamado a se pronunciar e, portanto, não há aqui nada com caráter definitivo”, disse, mais esclarecendo que se este tribunal “considerar que o crime não está prescrito, José Sócrates volta a ser pronunciado por crimes de corrupção, mesmo que não haja um ato concreto”. Isto é, “mesmo que não se saiba para quê que foi aquele dinheiro ou o ato concreto que procurou aliciar”. “A verdade é que há ali quem recebeu dinheiro sem razão, tendo as condições que tem, o que é duvidoso”, acrescentou. Ricardo Vieira, embora ressalve que não conhece todos os detalhes do processo, afirmou que, de um ponto de vista técnico, a decisão do magistrado madeirense “não parece ser muito atacável”. “A decisão perfilha várias interpretações que podem ser postas em causa, mas é uma decisão do ponto de vista técnico que é bem fundamentada. O que me pareceu foi que tinha ali substância. Evidentemente que não é a única substância possível”, reiterou. No entanto, apontou que houve muitas considerações de ordem adjetiva feitas pelo juiz de instrução em relação quer à acusação do Ministério Público, quer à escolha do juiz de instrução Carlos Alexandre, que validou muitos dos atos na fase de inquérito, comentários os quais, a seu ver, não são muito comuns. “Não fica muito bem a um juiz de instrução fazê-lo. E mais do que isso, também é passível de questionarmos se fará sentido que haja apenas dois juízes de instrução num Tribunal Central de Instrução Criminal como atualmente existe, em que a distribuição entre um e o outro seja motivo de expetativas em relação à decisão final, mesmo antes de se saber qualquer pormenor da acusação. Ou seja, parece que estamos aqui numa antecipação consoante o juiz de qual vai ser a decisão em relação aos arguidos. Acho isto gravíssimo”, explicou. A isto acrescentou ainda considerações acerca da questão da prescrição, sublinhando que esta continua a ser uma temática controversa no campo do direito, já que existem desentendimentos acerca do período temporal a partir da qual deve ser contabilizada: se desde o momento em que foi concebido o ato criminoso ou desde o seu último ato de execução. “O juiz de instrução entendeu que a prescrição começa a contar desde o início. Há jurisprudência que entende que a prescrição só começa a contar a partir do último ato de execução do ato criminoso. Portanto, pode haver aqui uma decisão que inverta todo este argumento da prescrição, com base neste outro entendimento”, explicou. MP deve esclarecer investigação Já no que concerne ao Ministério Público, cuja acusação muitos consideram ter sido completamente arrasada por Ivo Rosa, o advogado madeirense defendeu que é preciso que o MP venha clarificar os últimos sete anos de investigação. “O juiz de instrução referiu aspetos gravíssimos de um inquérito e de uma acusação mal feitos. Como é que se admite que não haja quaisquer provas, que haja contradições insanáveis no texto da acusação, que haja alheamentos perfeitamente díspares em datas e pontos com as testemunhas? É preciso que o Ministério Público venha prestar informações e esclarecimentos à população em geral sobre a forma como conduziu este inquérito”, declarou. Por último, Ricardo Vieira apontou que o grande problema da justiça portuguesa continua a ser o da morosidade com que decorrem as investigações criminais. No seu entender, “os processos-crime em Portugal são muito demorados, têm muitas fases, muita complicação e quase que várias sentenças ao longo do processo”, acrescentando também que os meios que o Ministério Público dispõe parecem ser ineficientes para lidar com este tipo de criminalidade cada vez mais sofisticada. “Dá-nos um pouco a ideia de que o Ministério Público não tem meios para tornar a investigação criminal célere. Neste caso, foram sete anos de investigação. Há outros casos que conhecemos que levaram anos e anos. Isto não é possível e não faz muito sentido”, disse.  Ainda assim, ressalva que, apesar de tudo, “é preciso confiar que a justiça vai funcionar”. “Acho que um Estado que desacredita na sua justiça é um Estado que, de facto, tem um dos seus grandes pilares abalado. É um Estado que não é, de facto, um Estado de Direito. A justiça tem de ser credível e efetiva e esperemos que isso aconteça em pleno”, concluiu.